Protesto pela floresta quer afastar Portugal do “caminho do deserto”

Marcado para vários pontos do país, protesto no domingo é contra incêndios, eucaliptos e empresas de celulose. Defende-se uma “floresta como a primeira barreira contra a seca e a desertificação”.

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Área ardida no incêndio de Odemira Matilde Fieschi
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Um grupo de cidadãos convocou um protesto para este domingo em várias cidades e localidades contra os incêndios, as políticas florestais, a monocultura do eucalipto e a indústria da celulose. O “protesto pela floresta do futuro” exige uma floresta diversificada e que funcione como uma barreira contra a desertificação.

“O estado de degradação da floresta portuguesa continua a ser condição fundamental para a catástrofe: abandono, monoculturas industriais, espécies invasoras, degradação dos serviços de protecção e vigilância, desinvestimento no interior”, lê-se no texto de convocação do protesto, assinado por mais de 50 pessoas, incluindo o biólogo Jorge Paiva, o activista e investigador em alterações climáticas João Camargo e o engenheiro silvicultor Paulo Pimenta de Castro.

“Não podemos ignorar que o que está a acontecer é exactamente o que governos e [empresas de] celuloses impuseram: mais monoculturas, mais eucaliptos, mais incêndios, mais abandono, despovoamento, alterações climáticas, desertificação e perda de biodiversidade”, aponta a convocatória.

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O protesto surge no contexto de um Verão com muitos recordes climáticos batidos e que varreu o Mediterrâneo com ondas de calor fortíssimas, desencadeando incêndios florestais extremos. Ainda nesta semana, um incêndio na Grécia tornou-se o maior da União Europeia desde que o sistema Copérnico começou a contabilizar a área ardida, em 2000, queimando mais de 800 quilómetros quadrados, uma área superior à do Parque Nacional Peneda-Gerês.

Apesar de Portugal estar a ter um Verão “relativamente ameno”, esse é um facto “aleatório”, de acordo com o comunicado de imprensa sobre o protesto. “Ficar à espera de um clima clemente no meio da crise climática é simplesmente irracional”, acrescenta o comunicado.

Por isso, o grupo de cidadãos teme o estado da floresta nacional e a forma como está a ser gerida. “Não só estamos preocupados com o estado da floresta do nosso país, como [estamos] furiosos como o Estado lida com a mesma e como as empresas de celulose se aproveitam”, diz ao PÚBLICO Beatriz Xavier, estudante e activista e uma das pessoas que assinaram a convocação, explicando que a ideia do protesto nasceu da vontade de vários cidadãos de lutar contra esta situação.

Para já, o protesto vai ocorrer em Coimbra, Lisboa, Odemira, Porto, Sertã e Vila Nova de Poiares. Mas a activista diz que a acção pode decorrer noutras localidades, onde haja cidadãos a liderar o protesto. “Sabemos que este é um problema muito mais do meio rural e queremos ter mais gente na luta”, afirma Beatriz Xavier.

Um dos grandes focos do documento do protesto é o eucaliptal que, de acordo com o sexto Inventário Florestal Nacional, cujos dados são de 2015, cobria então 845 mil hectares do território nacional, o equivalente a 26% da área florestal.

“Temos de deseucaliptizar Portugal. Precisamos de tirar 700 mil hectares de área de eucaliptal no país nesta década – que corresponde fundamentalmente ao que tem sido abandonado – e transformar essas áreas em floresta e bosque resiliente”, defende a convocatória. Estas áreas de eucaliptal que não estão a ser geridas com cuidado “são completamente explosivas”, argumenta Beatriz Xavier.

Além disso, o eucalipto necessita de água, promovendo a desertificação dos solos. Por outro lado, ao fim de poucos ciclos de corte e crescimento das árvores é preciso remover os cepos e as raízes. De outro modo, o eucalipto já não cresce com o mesmo vigor e não é lucrativo para a indústria do papel. Mas como este processo é caro, muitas vezes os proprietários abandonam o cultivo, deixando um território pobre em termos de biodiversidade e em processo de desertificação do solo, propenso aos incêndios.

Mais floresta pública

Outro pedido do grupo de cidadãos é haver um esforço para se cadastrar a área florestal do território nacional, com a nacionalização das áreas que estão abandonadas. Apenas 2% da área florestal portuguesa é propriedade pública, comparado com uma média de 46% nos países europeus (exceptuando a Rússia), de acordo com o site Florestas.pt.

“Exigimos uma floresta diversa, com espécies adequadas a cada território e uma área de eucaliptal diminuta”, adianta a activista, acrescentando que é necessária a existência de sapadores florestais, guardas e vigilantes da natureza, para se gerir como deve ser aquele território e tirar proveito económico a nível local da actividade florestal.

“Precisamos de floresta como a primeira barreira contra a seca e a desertificação. Para isso temos de mudar a paisagem. Não daqui a décadas, agora”, resume a convocatória. “Saímos à rua por um futuro muito além da lógica redutora dos ciclos económicos e políticos. Basta. Não vamos mais aceitar o caminho do deserto.”

Em Coimbra, o protesto vai decorrer às 17h em frente à Casa Azul, na Mata Nacional do Choupal. Em Lisboa, o protesto parte às 19h do largo da Estefânia, passando pelo ICNF e terminando na Avenida Fontes Pereira de Melo, à frente da sede da empresa de produção de celulose e papel The Navigator Company. Em Odemira, que viveu um forte incêndio em Agosto, haverá uma marcha a partir das 15h entre o bar O Cais e a Câmara Municipal. No Porto, o protesto será em frente à Feira do Livro, no Palácio de Cristal, às 15h. Na Sertã, o protesto será às 17h, na Alameda da Carvalha. Em Vila Nova de Poiares, o encontro será às 17h, na Câmara Municipal.

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