Associações Zero e Acréscimo manifestam “total repúdio” ao aumento da plantação de eucaliptos

Em Julho, a Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais e a Associação da Indústria Papeleira vieram a público pedir a expansão da área de eucaliptal, defendendo a plantação desta cultura nas áreas de mato.

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Em 2015, os eucaliptos cobriam 26% da área florestal de Portugal continental Rui Gaudêncio

Em plena estação seca, num dos anos com menos chuva em Portugal de que há memória, instalou-se uma discussão sobre a expansão da plantação de eucalipto, uma árvore que cresce rapidamente, mas que depende da existência abundante de água para isso. Em meados de Julho, a Federação Nacional das Associações de Proprietários Florestais (FNAPF) e a Associação da Indústria Papeleira – Celpa vieram a público pedir ao Governo para aumentar a área de plantação de eucaliptos. Agora, a associação ambientalista Zero e a Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal manifestaram “um total repúdio por esta tentativa de criar pressão sobre o Governo para voltar a desregulamentar as arborizações com eucalipto”, segundo um comunicado conjunto, divulgado esta quinta-feira, que o PÚBLICO teve acesso.

Um dos argumentos apresentados pela FNAPF e pela Celpa estava ligado aos incêndios. Segundo estas entidades, metade da área ardida em Portugal nos últimos anos correspondia a matos e pastagens, devido à falta de gestão destas áreas pelo sector da silvicultura, seguindo-se os pinhais e, só depois, os eucaliptais. Por isso, defendem, seria importante o Governo permitir a plantação de eucaliptos e de outras árvores de crescimento rápido nas áreas de mato, que, desta forma, passariam a ter uma gestão activa, diminuindo assim o risco de incêndios.

“A área [de eucalipto] devia ser aumentada e não reduzida”, referiu, em meados de Julho, Luís Damas, presidente da FNAPF, à agência Lusa. Agora, ao PÚBLICO, repete a mensagem: “Há muita área que vai arder porque ninguém se preocupa. Se essas áreas tiverem eucaliptos, as pessoas fazem mais gestão.”

No entanto, a Zero e a Acréscimo defendem que este argumento não vinga, já que “as áreas de eucaliptal mal gerido e abandonado representam cerca de dois terços da área total de eucalipto em Portugal”, referem. Este valor tem como base a informação obtida no sexto Inventário Florestal Nacional, cujos dados no terreno remontam a 2015. Naquele ano, o eucaliptal cobria 845 mil hectares, equivalente a 26% da área florestal (apenas o montado de sobreiro e azinho e o pinhal ficavam à frente dos eucaliptos em termos de área) e cerca de 9,5% do território continental.

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O inventário, parte dele feito com observações no terreno, encontrou situações de má gestão e abandono dos eucaliptais, explica ao PÚBLICO Paulo Pimenta de Castro, engenheiro silvicultor, que pertence à Acréscimo. Havia situações onde o número de eucaliptos plantado estava muito abaixo de um modelo de boa produtividade (600 em vez de cerca de 1200 árvores por hectare), outras em que os eucaliptos tinham mais de 12 anos de vida (as árvores devem ser cortadas aos 12 anos), denotando o abandono do terreno.

Outros casos demonstravam ainda uma falta de gestão das varas – os vários rebentos que nascem depois de se cortar o eucalipto e que iniciam um novo ciclo de crescimento. “Um povoamento bem gerido só deve ter duas varas por eucalipto”, explica Paulo Pimenta de Castro, acrescentando que há exemplos de eucaliptais abandonados e mal geridos “situados por todo o país onde há áreas de eucalipto”. Nestes casos, quando um incêndio surge, não distingue “entre eucaliptais bem geridos e eucaliptais mal geridos”.

Perante o cenário actual, a Zero e a Acréscimo questionam que garantias haverá, a longo termo, de haver uma boa gestão de novos terrenos plantados com eucalipto nas áreas de matos (cobertura vegetal arbustiva com várias espécies). Para aquelas associações, o que está em causa é, antes, uma questão financeira. “É mais barato plantar em áreas de matos do que replantar actuais áreas de eucaliptal abandonado ou mal gerido”, argumentam no comunicado.

A Estratégia Nacional para as Florestas estabeleceu, numa resolução de Fevereiro de 2015, que até 2030 só poderá haver um limite máximo de 812 mil hectares de eucaliptal em Portugal, a área correspondente à que existia em 2010. Isso invalida a expansão dos eucaliptais. Para se plantar novo eucaliptal será necessário assegurar a reconversão de antigas plantações em floresta autóctone. De outro modo, os produtores têm de se cingir a áreas já plantadas.

O problema, de acordo com a Zero e a Acréscimo, é que geralmente ao terceiro ciclo de crescimento e corte de um eucalipto num dado terreno, os novos rebentos que nascem já não apresentam o mesmo vigor. Para retomar a qualidade de produção, é necessário retirar ou matar os cepos e as raízes, e plantar de novo, o que tem um custo associado. “A diferença de custos ronda valores por hectare 50% superiores na replantação”, em relação a novas áreas de plantação, lê-se no comunicado.

Por último, aquelas associações apontam que a narrativa dos incêndios está “completamente enviesada”, já que existe um decrescimento ao longo das décadas na área ardida de matos e pastagens, além de haver picos muito importantes de eucaliptal ardido, como em 2003, 2005 e 2017. Por outro lado, os matos têm uma importância ecológica. “Não podemos ter o território todo ocupado por floresta”, diz ao PÚBLICO Paulo Lucas, da direcção da Zero. “Os matos fornecem serviços ao ecossistema, fazem parte do contínuo ecológico do país.”

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