Descobriu-se Janus, uma estrela peculiar que tem duas faces

A estrela anã-branca Janus está na nossa galáxia – apesar de algo longe. Uma equipa de cientistas detectou que esta estrela tem duas faces: uma com hidrogénio, outra com hélio.

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Ilustração da anã-branca Janus, com o lado mais escuro a representar o hélio e o mais luminoso o hidrogénio K. Miller/Caltech

Algumas pessoas têm duas caras – figurativamente falando, claro. Na mitologia romana, o deus Janus tinha, literalmente, duas faces – uma a olhar para a frente e outra para trás, em representação das transições e da dualidade. Mas e se for uma estrela com duas faces? Sim, também existe.

Uma equipa de cientistas observou uma estrela anã-branca – os restos quentes de uma estrela e que são objectos densos do cosmos – e apelidou-a de Janus, precisamente por ter a peculiaridade de ser composta por hidrogénio de um lado e por hélio do outro.

“O Janus é o deus romano com duas faces, então achámos que era bastante apropriado. Além disso, Janus é o deus das transições e a anã-branca pode estar a transitar de uma atmosfera feita de hidrogénio para uma composta por hélio”, explicou Ilaria Caiazzo, a astrofísica do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), nos Estados Unidos, e responsável pelo trabalho agora publicado na revista Nature.

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Ilustração da estrela anã-branca Janus, com o lado mais escuro a representar o hélio e o mais luminoso o hidrogénio K. Miller/Caltech

Esta estrela está na nossa galáxia, a Via Láctea, a cerca de 1300 anos-luz da Terra. Um ano-luz é a distância que a luz percorre ao longo de um ano, cerca de 9,5 biliões de quilómetros.

A Janus é bastante maciça para uma anã-branca, com uma massa 20% maior do que a do nosso Sol, mas comprimida num objecto com metade do diâmetro da Terra. Esta estrela gira sobre o seu próprio eixo a cada 15 minutos – algo muito rápido, considerando que as estrelas, geralmente, demoram entre algumas horas a alguns dias a completar este movimento.

“As anãs-brancas formam-se no final de vida de uma estrela. Cerca de 97% de todas as estrelas estão destinadas a ser anãs-brancas quando morrerem”, diz Ilaria Caiazzo.

“O nosso Sol, por exemplo, está actualmente a queimar hidrogénio para hélio no seu núcleo. Quando o hidrogénio se esgotar, o Sol começará a queimar hélio e a transformá-lo em carbono e oxigénio. E quando o hélio também acabar no núcleo, o Sol vai expelir as suas camadas externas para o espaço, no que se chama nebulosa planetária – e o núcleo vai-se contrair lentamente até se tornar uma anã-branca”, sintetiza a investigadora do Instituto Tecnológico da Califórnia.

A boa notícia para os terráqueos é que ainda deverá demorar 5000 milhões de anos até isso acontecer ao nosso Sol.

O culpado pode ser o campo magnético

A Janus foi descoberta através de um conjunto de observação num telescópio, o Zwicky Transient Facility, instalado no Observatório Palomar, na Califórnia, com outras observações posteriores a serem feitas por outros telescópios terrestres.

Depois de uma anã-branca se formar, os seus elementos mais pesados afundam-se no núcleo da estrela, enquanto os mais leves – o hidrogénio é o mais leve, seguido pelo hélio – flutuam para o topo. A Janus pode ser uma anã-branca a meio do processo de transição, mas com a peculiaridade de ter um lado com hidrogénio e outro com hélio.

Os investigadores desconfiam que o seu campo magnético pode ser o responsável por esta assimetria. Se o campo magnético for mais forte de um lado do que do outro, como é habitual acontecer com objectos celestes, um lado pode ter menos mistura de elementos, tornando-se assim hidrogénio pesado ou hélio pesado.

“Muitas anãs-brancas devem passar por esta transição, e podemos ter apanhado uma em flagrante, por causa da configuração do campo magnético”, acrescenta Ilaria Caiazzo. A Janus não é a única anã-branca exótica que já observámos. Ilaria Caiazzo pertencia a uma equipa científica que, em 2021, apresentou uma anã-branca com um diâmetro pequeno (ligeiramente maior que a nossa Lua) e que ostentava a maior massa e o menor tamanho de qualquer anã-branca conhecida.

“Sempre que olhamos para as estrelas de um ângulo diferente, somos surpreendidos e até ficamos perplexos, por vezes”, diz a cientista. “A fenomenologia estelar é extremamente rica e não há duas estrelas iguais se as observamos de perto.”

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