Teixeira dos Santos: “Até agora, Governo desperdiçou a maioria absoluta”

Ex-ministro das Finanças diz que o país não pode ser “uma cobaia” para experiências políticas e apela a Costa para aproveitar o resto da legislatura para procurar grandes consensos

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Fernando Teixeira dos Santos fotografado esta semana nos estúdios da Renascença no Porto Manuel Roberto
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Vamos mudar de tema. Gostava de o ouvir sobre as conclusões do relatório da comissão de inquérito à TAP.
Não tive ainda a oportunidade de ler o relatório. Não é tema que me entusiasme muito. Tenho andado preocupado com problemas mais sérios e mais importantes para o país.

Acha que este tema foi algo insuflado?
Acho que foi insuflado. Teve o seu quê de silly season um pouco prolongada. É evidente que há ali questões que são importantes, como seja a gestão das empresas públicas, a situação da TAP e o seu futuro. Mas isso não parece ter sido grandemente discutido durante a Comissão Parlamentar de Inquérito que se entreteve com outras questões mais laterais e menos importantes, se calhar boas para alimentar a intriga política, as notícias.

Este Governo de maioria absoluta é mais arrogante do que o anterior Governo sem maioria absoluta?
Os governos de maioria absoluta tendem a ter um comportamento, não diria arrogante, mas um comportamento de que quem tem consciência de que pode seguir o seu caminho sem ter que se submeter a exigências de outros partidos. Isso não é necessariamente arrogância. É o exercício do poder numa situação de maioria absoluta. Agora é evidente que é desejável que em assuntos de natureza mais estratégica os governos, mesmo de maioria, tenham a preocupação de gerar consensos para avançar com reformas que são importantes.

Por exemplo, no aeroporto. E outras áreas?
A justiça, a educação, a saúde, a segurança social são matérias sobre as quais temos que ter uma política mais consensualizada. Não quer dizer que os partidos tenham todos que fazer o mesmo, mas tem que haver eixos estruturantes relativamente aos quais os principais partidos tenham um entendimento estabilizado ao longo do tempo. É muito mau para o país que sempre que venha um governo novo vá desfazer o que o governo anterior andou a fazer. Parece que o país é uma cobaia.

O antigo ministro das Finanças considera que críticas de Marcelo, Costa e partidos a Lagarde “foram despropositadas”.

Helena Pereira,Susana Madureira Martins (Renascença)

Vê neste Governo vontade de procurar esse consenso nas áreas que elencou?
O Governo começou por fazer uma declaração de que relativamente, por exemplo, a investimentos estruturantes do país gostaria ter o apoio de outros partidos, de ter uma base mais alargada.

E na prática?
Este Governo não teve ainda muita oportunidade.

Ou está a desperdiçar a maioria absoluta?
Até agora desperdiçou-a. O Governo tem andado mais focado nestas questões do imediato, dos impactos da guerra e não tem revelado muita capacidade de, a par disto, se debruçar sobre questões mais de médio longo prazo, mais estruturantes para o país. Este ano foi um ano perdido sob esse ponto de vista. Espero que com a relativa acalmia que se possa vir a ter no cenário de guerra, com a normalização do ambiente económico, com a descida da inflação possamos começar a ter políticas mais voltadas para o futuro e que respondam aos grandes desafios do país, como o envelhecimento e as alterações climáticas, inovação tecnológica. É urgente que isso seja feito porque o ritmo destas mudanças é muito acentuado e nós não podemos demorar tempo a preparar o país para um futuro que vai ser um futuro diferente.

O primeiro-ministro devia pensar em refrescar, remodelar o Governo depois das sucessivas polémicas, até para dar esse impulso de que fala?
É essa a minha opinião. Aliás, era essa a minha opinião quando foi questionada a manutenção do ministro João Galamba. Aquele poderia ter sido o momento para uma remodelação. Mas também compreendo a razão pela qual o primeiro-ministro não fez essa opção nesse momento. Espero que o venha a fazer no tempo que ele definir.

A breve prazo, será difícil. Enquanto não tivermos um orçamento feito e aprovado para o próximo ano, vejo alguma dificuldade em que isso possa acontecer. Poderia dar um novo alento ao Governo. Seria um virar de página.

Depois do tema da dissolução do Parlamento, surge agora também o fantasma de António Costa poder ir para Bruxelas para um cargo europeu. A seu ver, esta pode ser ainda uma possibilidade?
Acho que são. São especulações políticas. Não vale a pena estarmo-nos a preocupar com isso. É um não-assunto. Ele já disse que estará aqui e é seu intuito manter-se à frente do Governo. Espero que assim seja.

Mário Centeno terá um perfil para candidato presidencial com o apoio do PS? Votava nele?
Não, não sei. É matéria que eu não gosto de especular.

Quem foi o melhor ministro das Finanças no pós-25 de Abril, lembrando aqui uma expressão usada há pouco tempo por Aníbal Cavaco Silva? O excedente orçamental de Centeno não faz dele o melhor?
É muito difícil dizer quem é o melhor ministro das Finanças. Tenho consciência das dificuldades, de quão duro é muitas vezes gerir as finanças do país, com conjunturas que foram muito diferentes ao longo do tempo. Há períodos onde é mais fácil ser ministro e brilhar mais do que noutros momentos, em que a conjuntura é mais adversa.

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