Relatório da CPI à TAP isenta Governo de culpas na indemnização a Alexandra Reis

Documento deixa de fora os incidentes com o ex-adjunto do ministro João Galamba, assim como a actuação dos serviços secretos na sequência do episódio no Ministério das Infra-Estruturas.

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Os motivos que levaram à saída de Alexandra Reis da TAP não ficaram claros para a relatora da comissão de inquérito Nuno Ferreira Santos
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O relatório preliminar da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à tutela política da gestão da TAP iliba o Governo de responsabilidades na atribuição da indemnização de 500 mil euros à ex-administradora da empresa Alexandra Reis e deixa de fora os incidentes ocorridos no ministério de João Galamba a 26 de Abril e que levaram à recuperação do computador de um ex-adjunto por parte do Serviço de Informações de Segurança (SIS).

O documento elaborado pela relatora socialista Ana Paula Bernardo foi distribuído na noite desta terça-feira aos deputados da comissão de inquérito.

O relatório começa por esclarecer que não se vai debruçar sobre os incidentes ocorridos no ministério de João Galamba que envolveram o seu ex-adjunto Frederico Pinheiro, a 26 de Abril, e a posterior recuperação do computador por parte do Serviço de Informações de Segurança (SIS) por considerar que essa questão já está sob a alçada do Ministério Público e foi esclarecida em audições aos responsáveis dos serviços secretos realizadas no Parlamento.

O mesmo acontece com a polémica reunião preparatória entre a ex-CEO da TAP, elementos do Governo, e o deputado do PS Carlos Pereira, realizada um dia antes da audição parlamentar de Christine Ourmières-Widener, em Janeiro passado. Esse assunto foi encaminhado para a comissão parlamentar da Transparência, que “já emitiu um parecer”, sublinha o relatório.

No que diz respeito à indemnização atribuída a Alexandra Reis – que foi o motivo principal para a criação desta comissão de inquérito –, o relatório refere que o processo de cessação de funções da administração da TAP “partiu de exclusiva vontade e iniciativa” da ex-CEO da empresa e que “não foi possível apurar com exactidão as razões e os motivos que estiveram na base da saída” da gestora.

Tal como apontam as conclusões da Inspecção Geral de Finanças (IGF) sobre a indemnização, o relatório da CPI também indica “não existirem evidências” de que o Ministério das Finanças “tivesse tido conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis”, o que só veio a acontecer no momento da publicação do comunicado enviado à CMVM [Comissão do Mercado de Valores Mobiliários] a 4 de Fevereiro.

Já o ex-ministro das Infra-Estruturas, Pedro Nuno Santos, teve conhecimento do processo de saída da gestora da TAP no início de Janeiro de 2021 e também na conclusão do dossier, “dando a sua aceitação ao valor acordado entre as partes”, além de que o secretário de Estado Hugo Mendes "foi acompanhando o processo de negociação da compensação". Mas a relatora atenua a responsabilidade da tutela sectorial num processo que acabou por ditar a demissão do ministro e do seu secretário de Estado: “Todavia nem Pedro Nuno Santos nem Hugo Mendes conheciam o clausulado do acordo ainda que conhecessem a discriminação das várias parcelas englobadas no montante da indemnização.”

O relatório reconhece que o ex-ministro e o ex-secretário de Estado declararam, “numa primeira fase”, não se recordar de ter conhecimento do valor da indemnização e que só depois, ainda que numa data anterior à constituição da CPI, Pedro Nuno Santos veio a admitir "ter acesso a mensagens" trocadas com membros do seu gabinete sobre o valor da compensação.

Sem fazer nenhuma apreciação sobre esta mudança de posição por parte do ministro, o relatório refere que a “utilização do WhatsApp como meio de comunicação foi recorrente em todo este processo” mas ressalva que “não se pode inferir que o processo decisório neste Ministério [das Infra-estruturas] não seja formal”.

"Inexistência de ingerência política"

Sobre uma possível interferência do poder político na gestão da TAP, o relatório também salvaguarda o Governo. “Não se registam situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte das tutelas”, lê-se no relatório, referindo que “a generalidade dos depoimentos aponta para a inexistência de interferência ou ingerência política das tutelas na gestão corrente da empresa”.

Em relação ao caso específico do pedido de Hugo Mendes dirigido à ex-CEO da TAP para alterar um voo do Presidente da República ou à participação do ex-secretário de Estado na reunião de preparação de resposta da TAP ao despacho conjunto das tutelas sobre a saída de Alexandra Reis, a relatora também não viu que tivessem consequências: “Em ambos os casos parece não haver evidências de condicionamento nas decisões finais da TAP”.

Ainda quanto à gestão da TAP pela tutela política, o relatório recua ao Governo de Passos Coelho para considerar que tendo em conta o "o contexto político que se vivia no momento" – isto é, no final de 2015 e quando se sabia que o executivo PSD/CDS seria derrubado no Parlamento pela "geringonça" –, "a reprivatização [da TAP] não deveria ter sido concluída naquela data".

Melhoria no processo de classificação de documentos

Além de olhar para os acontecimentos do passado, o relatório também deixa sugestões para o futuro, apontando a três destinatários: empresas, Governo e futuras comissões de inquérito.

Em relação às empresas – “independentemente da natureza pública ou privada da empresa” –, sugere a prossecução de “princípios e práticas de bom governo para criar um ambiente de confiança, transparência e responsabilidade”, a “clara e atempada aplicação dos processos e procedimentos exigidos pelo Estatuto do Gestor Público nas empresas públicas”, ou a “garantia de acesso, por parte dos gestores não executivos a toda a informação para acompanhar e avaliar continuamente, com objectividade e independência, a gestão da empresa”.

Recomenda também que se garanta “a transparência da ligação entre a remuneração dos administradores e o desempenho a longo prazo da empresa” e relativamente às empresas públicas pede o “cumprimento integral do Regime Jurídico do Sector Público Empresarial”. A “realização de outsourcing em áreas funcionais críticas para a empresa, sobretudo aquelas que exigem uma forte especialização” é outra ideia.

Quanto ao Governo, o relatório preliminar considera que, no “exercício da função accionista/tutela de gestão”, deve “garantir a melhoria da articulação entre a tutela financeira e sectorial, assegurando que a divisão e conexão de responsabilidades é clara e concebida para servir o interesse público”, bem como o estabelecimento de “metas quantificadas” nos contratos de gestão.

Depois das dúvidas em torno da informação classificada que alegadamente gravada no computador de serviço do ex-adjunto de Galamba, Frederico Pinheiro, o relatório vem pedir que se melhorem “os processos de classificação de documentos (e, de forma conexa, os processos de gestão documental), para garantir que a documentação seja adequadamente classificada, tramitando nos gabinetes governamentais e entre estes e as empresas com a correcta classificação e, quando aplicável, com exigidas garantias de segurança dos documentos”.

Em matéria de transparência, sugere ainda melhorias na “prestação de contas à sociedade em matéria de sector empresarial do Estado, disponibilizando online e de forma acessível toda a informação actualizada relativa não só aos resultados obtidos pelas empresas, mas também ao cumprimento das obrigações de gestão pelo accionista Estado e pelas administrações das empresas”.

Por fim, deixa uma nota sobre os trabalhos desenvolvidos por esta comissão de inquérito à TAP, mas também para as futuras comissões. “Tendo em conta os objectivos desta CPI e das comissões de inquérito em geral, salientamos que não tenhamos tido a colaboração das instituições comunitárias face ao pedido de informação e requerimentos realizados”, aponta, plasmando a intenção evitar que tal volte a suceder: “Este assunto deverá ser discutido nas instâncias próprias.”

O caderno de encargos conclui voltando à questão da classificação e desclassificação de documentos, mas neste caso por parte das comissões. “Importa prosseguir o trabalho já encetado por esta comissão de inquérito no que concerne à classificação, desclassificação, tratamento e utilização das informações consideradas sensíveis, sigilosas ou reservadas, garantindo o adequado equilíbrio entre a protecção e segurança documental e o acesso ágil por parte de todos os que estão credenciados para a ela aceder, de modo a assegurar uma maior eficácia aos trabalhos dos membros da comissão.”

Os partidos podem apresentar propostas de alteração ao relatório até à próxima segunda-feira. A votação em comissão está prevista para o dia 13 deste mês. com David Santiago

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