Hungria melhora ma non troppo, Polónia mantém-se na cauda do pelotão do Estado de direito
Varsóvia implementou apenas uma, e apenas parcialmente, das sete recomendações feitas no relatório europeu do ano passado. Portugal tem de aumentar recursos para o combate à corrupção.
A Comissão Europeia mantém uma “preocupação séria” com a independência do sistema judicial na Polónia, que é um dos Estados-membros da União que deu menos passos para resolver problemas há muito identificados no respeito pelo Estado de direito. Do ano passado para este, Varsóvia fez “algum progresso” na separação entre a investigação criminal e o Governo, mas continua a acumular na mesma pessoa os cargos de ministro da Justiça e de procurador-geral.
No seu relatório anual sobre o Estado de direito, que desde 2020 passa em revista a qualidade da democracia nos 27, Bruxelas volta a assinalar Hungria e Polónia como países em que a independência da Justiça e dos media não está totalmente assegurada e em que a luta contra a corrupção se mantém insuficiente.
Mas enquanto Budapeste respondeu à ameaça de corte de fundos comunitários com uma série de medidas que deixam a Comissão cautelosamente optimista - ainda que registe falta de iniciativa noutras áreas -, a Polónia não só “não fez progressos” a implementar as recomendações de anos anteriores, como aprovou leis e alterações ao Código Penal que levantam “sérias preocupações” em Bruxelas. É o caso de uma legislação que entrou em vigor em Junho e que permite a um comité administrativo, e não judicial, avaliar se os funcionários públicos agiram nos últimos anos para favorecer interesses da Rússia - em caso afirmativo, esse comité tem poderes para despedir a pessoa acusada, que fica com opções de recurso limitadas. Por causa desta lei, a Comissão decidiu abrir um novo procedimento de infracção contra a Polónia.
“Lamentavelmente, as preocupações mantêm-se em diversos Estados-membros”, disse a vice-presidente da Comissão para os Valores e Transparência, Vera Jourová, na apresentação do relatório esta quarta-feira. Apesar disso, sublinhou que “não houve um agravamento ou retrocesso radical em nenhum Estado-membro”. O relatório destaca que “quase 65% das recomendações” feitas no documento do ano passado “já foram seguidas”.
A Comissão considera que Portugal fez “progressos significativos” no aumento da transparência na distribuição de processos judiciais e na melhoria dos processos legislativos. Regista ainda “alguns progressos” para melhorar a eficiência dos tribunais administrativos e fiscais, “para assegurar recursos humanos adequados ao sistema judicial” e a procurar garantir “recursos suficientes para a prevenção, investigação e acção penal no domínio da corrupção”. No entanto, este último é um tópico que continua a gerar preocupação “séria” junto da trintena de entidades e organizações ouvidas para a elaboração do relatório.
“O capítulo relativo a Portugal é globalmente bastante positivo”, congratulou-se o secretário de Estado dos Assuntos Europeus, em comunicado. O gabinete de Tiago Antunes diz que o relatório realça “a qualidade dos indicadores do Estado de Direito” no país e sublinha que a Comissão voltou a fazer cinco recomendações a Lisboa “que consistem, em qualquer dos casos, na prossecução ou finalização de reformas já em execução”.
A avaliação ao Estado de direito debruça-se sobre quatro áreas – Justiça, luta contra a corrupção, liberdade de imprensa e pluralismo e sistema de vigilância das autoridades –, mas é o funcionamento do poder judicial que ocupa uma parte significativa do relatório. Na Polónia e na Croácia, são menos de 30% os cidadãos que acreditam na independência da sua Justiça; em Malta e na Grécia, a nomeação de juízes para tribunais superiores continua a ter pouca ou nenhuma participação do próprio sistema judicial; na Alemanha e na Áustria, os ministros da Justiça podem dar ordens directas a procuradores.
O relatório também alerta para a situação do poder judicial em Espanha, que actualmente preside ao Conselho Europeu. O órgão responsável por nomear os juízes das instâncias mais altas, incluindo o Tribunal Constitucional, devia ter sido renovado em 2018. Mas a falta de consenso entre PSOE e PP – motivada pela decisão de Pedro Sánchez de conceder indultos aos líderes independentistas catalães – tem impedido a escolha de novos membros.