Espanha: lições para o Partido Socialista

O PS e António Costa devem assumir medidas profundas (enquanto é tempo), como seja a da remodelação do Governo, substituindo quem não se mostrou à altura.

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Os surpreendentes resultados das eleições municipais e regionais de domingo, em Espanha, marcam, com toda a probabilidade, a assunção próxima do poder pela direita, com data já anunciada: 23 de julho, dia em que se realizarão as eleições nacionais.

A vitória do Partido Popular e os ganhos obtidos pelo Vox excederam as melhores expectativas de ambos; Comunidade Valenciana, Aragão, Ilhas Baleares, La Rioja, Cantábria, região de Múrcia e a até a Estremadura passaram à tonalidade azul do Partido Popular. O Vox, que duplicou a votação, tornou-se um partido essencial à governação de várias regiões e muitos municípios.

As causas da derrota dos socialistas espanhóis constituem motivo de reflexão para os seus “camaradas y compañeros” de Portugal.

Tal como está a suceder em Portugal, o governo de Pedro Sanchéz foi submetido a intenso desgaste no último ano, com muitos “casos e casinhos” que o fizeram perder a sua credibilidade junto dos espanhóis. Às críticas intensas e tantas vezes injustas dos seus adversários, o PSOE ergueu aquilo que parecia ser uma muralha: os bons resultados da economia e as medidas sociais tomadas ao longo da legislatura, com anúncios multiplicados de distribuição de benesses nos dias anteriores a 28 de maio.

A União Europeia aumentou em meio ponto a previsão de crescimento de Espanha no ano de 2023, o que manterá o país como uma das grandes economias europeias. A Espanha é o país de maior crescimento económico na Europa e o Governo está na direção certa”, proclamou Pedro Sanchéz, em numerosos comícios durante a campanha.

“Uma bateria de compromissos reforçou os pilares básicos do estado social, sem exceção: primeiro a Habitação, depois a Educação e, por fim, a Saúde”, lia-se no site do PSOE. Sanchéz anunciou medidas atrativas, aproveitando o excedente orçamental: aumento das pensões, redução nos preços dos transportes para os jovens, apoios do estado nos empréstimos para habitação, 580 milhões de euros para os cuidados primários na saúde, apoios aos agricultores. E até lúdicas, como acesso aos cinemas nas terças-feiras por 2 euros aos maiores de 65 anos. “Aprovámos a reforma laboral, aumentámos o salário mínimo nacional, reconstruímos o Pacto de Toledo, revalorizámos as pensões de reforma e aprovámos a lei da paridade

Porém, não obstante a boa governação no plano económico e social, o eleitorado deixou-se arrastar pelo turbilhão das críticas demolidoras de Feijó e Isabel Ayuso, que acentuaram os inúmeros “casos e casinhos” da governação socialista, aproveitando-se também do descontentamento originado por fenómenos e situações como a imigração ilegal sem controlo, a ocupação selvagem de casas, acordos com independentistas com subversão de decisões judiciais e a candidatura de ex-elementos da ETA condenados por terrorismo.

A situação de ocupação ilegal de casas originou um desgaste enorme. Em Espanha, cerca de 43 casas são ocupadas diariamente, sem que os seus proprietários disponham de meios expeditos para recuperar os imóveis. Quem os ocupa, não pode ser privado de água e eletricidade; quando, ao fim de muito tempo, é forçado a desocupar, entrega a habitação em estado desastroso. “Okupar’, com “k”, consta já no dicionário espanhol desde 2017, significando “entrar numa casa ou num edifício desabitado e instalar-se sem o consentimento do proprietário”.

Em 27 de abril, foi aprovada em Espanha, à tangente, uma nova Lei da Habitação, apresentada como o caminho para a resolução de um problema tão grave como o existente em Portugal.

A nova lei, contendo medidas algo semelhantes ao programa “Mais Habitação” apresentado por António Costa em 30 de abril, acabou por não ser suficientemente valorizada, prevalecendo a acusação de fazer recair sobre os proprietários a resolução do problema habitacional das famílias vulneráveis.

Também as acusações ao Partido Popular, de se aliar à extrema-direita, não surtiram efeito, pois o eleitorado considera já o Vox um partido do sistema.

Quais as lições que, em Portugal, os socialistas deverão extrair desta hecatombe eleitoral?

Em primeiro lugar, importa dizer que os surpreendentes resultados eleitorais não têm um efeito dominó em Portugal, que faça derrubar um governo com um forte suporte parlamentar (maioria absoluta), o que não sucede em Espanha. Todavia, há algo a reter, devendo ser motivo de reflexão.

O desgaste a que o Governo e o PS têm sido submetidos, em muitos casos originado por erros próprios e injustificados da governação, não são anulados por nenhum efeito mágico dos bons resultados da economia e pela pródiga distribuição de benefícios sociais. A memória é curta; medidas como a redução drástica nos preços dos transportes, com passes sociais de custos reduzidos, já não são lembradas…

A imagem que o eleitorado tem da boa ou má governação não resulta, assim, apenas das medidas de fundo e do trabalho dedicado, sendo afetada pela sucessão de “trapalhadas” e incoerência.

Daí que a principal lição a extrair seja a de que o PS e António Costa, em vez de assobiarem para o lado, culpando os seus adversários por ataques insidiosos, devem assumir medidas profundas (enquanto é tempo), como seja a da remodelação do Governo, substituindo quem não se mostrou à altura, e infletindo caminho no que respeita a soluções impopulares que nada resolvem, como é o caso do arrendamento coercivo (forçado). A imigração ilegal e as fraudes conhecidas na regularização da permanência em Portugal, com atestados de residência falsos e documentos em branco, exigem respostas fortes, substituindo a complacência pela firmeza.

Também será de refletir se valerá a pena continuar a zurzir o PSD pela possibilidade (abstrata) de acordos futuros com o Chega, quando André Ventura é visto pelos portugueses como o verdadeiro chefe da oposição…

Os desaires (dos outros) são uma boa oportunidade para revigorar.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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