Supremo confirma justa causa no despedimento de jornalista que pichou parede na RTP

Tribunal considerou que “inscrever em parede das instalações interiores da empresa empregadora a expressão ‘abaixo as cunhas’ viola, grave e culposamente, os deveres laborais”.

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Instalações da RTP
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Um jornalista que desempenhou vários anos funções na RDP África foi despedido depois de ter sido apanhado a escrever na parede das instalações da RTP, na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa.

O jornalista contestou o despedimento e o caso chegou ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que veio agora confirmar a decisão da Relação de Lisboa. Ou seja, que houve justa causa no despedimento.

De acordo com a decisão a que o PÚBLICO teve acesso, os juízes do STJ consideraram que “inscrever em parede das instalações interiores da empresa empregadora a expressão “abaixo as cunhas” viola, grave e culposamente, os deveres laborais de respeito, de lealdade e de conservar e bem utilizar os bens afectos à actividade laboral”.

Aliás, os magistrados concluíram que, “tendo em conta a imagem global dos factos, incluindo todas as suas circunstância e consequências, à luz de critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade”, o jornalista, “com a sua conduta tornou prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral”.

“O dever de lealdade inclui um dever de honestidade, que implica uma obrigação de abstenção por parte do trabalhador de qualquer comportamento susceptível de colocar em crise a relação de confiança que deve pautar as suas relações com o empregador, enquanto corolário da boa-fé contratual”, lê-se no acórdão.

O caso remonta a 2020 quando, em Janeiro, e durante vários dias, algumas escadarias, corredores, elevadores e até o WC masculino apareceram vandalizados, com a frase "abaixo as cunhas".

O autor ou autora das inscrições permaneciam um mistério até que, no dia 27 de Janeiro, por volta das 21 horas, quando já tinha iniciado a inscrição da expressão - “abaixo as cunhas” - na parede que fica junto do WC situado no piso - 1D, ou seja, no patamar intermédio das escadas que ligam a zona dos serviços clínicos ao refeitório, o jornalista foi surpreendido por outro funcionário da estação pública de televisão que saiu daquele WC e o viu a guardar a lata de spray.

O funcionário em questão terá perguntado ao jornalista o que se passava, mas este não respondeu, desceu de imediato as escadas, guardou a lata de tinta na mala e ficou aposta na parede apenas a inscrição “abaix”.

Apesar de ter ficado a ideia que o jornalista seria o autor das outras pichagens e do tribunal de primeira instância também lhe as atribuir, no Tribunal da Relação os juízes decidiram alterar os fatos, consideraram que não havia provas e que apenas lhe imputaram a inscrição na parede que ocorreu no dia 27 de Janeiro e da qual há uma testemunha.

Mas mesmo assim os juízes da Relação consideraram que o jornalista tinha “violado o dever de conservar e bem utilizar as instalações por ele próprio utilizadas para prestar a sua actividade”.

Decisão com a qual os juízes do STJ também concordaram: “Cumpre, desde já, salientar que se concorda com as considerações de direito, jurisprudenciais e doutrinais aduzidas na sentença recorrida. Mas será que as alterações acima introduzidas em termos factuais contendem com a decisão a que a sentença aportou? É evidente que a factualidade dada como assente acaba por não ter a extensão reputada na decisão ora recorrida. (....)”.

Os juízes do Supremo salientam que não se pode ter como assente que foi o jornalista que realizou todas as inscrições mas, pelo menos, a de 27 de Janeiro resultou como provada.

“Tal matéria, só por si, afigura-se-nos perfeitamente suficiente para fazer a Ré (RTP) perder a confiança no Autor (jornalista) nos termos necessários à manutenção de uma saudável relação laboral”, lê-se no acórdão, que acrescenta: “É que a confiança ou se tem ou não tem”.

Para os juízes, “a conduta do trabalhador não configura um mero acto irreflectido, praticado num momento de exaltação, tratando-se, ao invés, de um acto premeditado, que exigiu que o mesmo se munisse previamente de uma lata de tinta e escolhesse um local adequado para escrever sem ser visto (no patamar intermédio das escadas que ligam a zona dos serviços clínicos ao refeitório)”.

Os juízes sublinharam ainda que a expressão que o jornalista se propunha escrever (“abaixo as cunhas”) “é grave e susceptível de criar danos reequacionais numa empresa como a RTP (a gestão é estatal impendendo sobre a RTP especiais deveres de transparência e credibilidade)” e que “os factos são susceptíveis de enquadramento no tipo legal do crime de dano”.


No acórdão é ainda sublinhado que o jornalista, além destes factos, tem um registo disciplinar que atesta"um percurso profissional algo turbulento com três sanções já registadas".

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