Casal que grafitou Padrão dos Descobrimentos fez dezenas de pichagens em Lisboa, diz Ministério Público

Leila Lakel e Flask, pseudónimo do namorado no mundo do graffiti, moraram em Alfama durante oito meses. Quando a Polícia Judiciária chegou ao apartamento estavam a descolar para França. Continuam sem ser arguidos.

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Padrão dos Descobrimentos grafitado LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher, diz o ditado, mas neste caso foi ao contrário: conhecida por ter inscrito uma mensagem em graffiti no Padrão dos Descobrimentos em Agosto de 2021, Leila Lakel teve como cúmplice outro francês com créditos firmados no mundo da chamada arte urbana.

Flask, que pintalgou o seu nome em dezenas de paredes de Lisboa, bem como nos elevadores da Bica, do Lavra e da Glória, é um homem de 34 anos residente em Paris cujo verdadeiro nome é Franck Pontonnier. O Ministério Público assaca-lhe, em conjunto com a namorada, mais de duas dezenas de crimes deste tipo. Mas até agora o casal não foi constituído arguido. A procuradora titular do inquérito no Departamento de Investigação e Acção Penal tem-se recusado a pedir um mandado de detenção europeu para os suspeitos, por achar a medida sugerida pela Polícia Judiciária desproporcional e demasiado lesiva dos seus direitos, liberdades e garantias.

No mês seguinte à pichagem do Padrão dos Descobrimentos, a magistrada afirmava não existirem indícios de continuação da actividade criminosa. No decurso da investigação viria, porém, a indiciar-se o contrário: a colorida e bojuda assinatura de Flask foi inscrita em dezenas de paredes da capital portuguesa. Algumas carruagens de comboio e os elevadores da Bica, do Lavra e da Glória, que ao contrário do Padrão dos Descobrimentos estão classificados como monumentos nacionais, foram igualmente brindados com o mesmo tipo de tratamento. Apesar de a grande maioria já ter desaparecido, o autor divulgou as suas proezas nas redes sociais, algumas das quais assinadas em co-autoria com Lia.

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Foi por um escasso par de horas que a Judiciária deixou escapar o casal de Portugal. Os graffiters alugaram um pequeno apartamento em Alfama entre Janeiro e Agosto de 2021. Ela disse ao senhorio que tinha vindo frequentar um estágio na área das artes. Foram-se embora no dia a seguir à sua obra no monumento de Belém ter sido descoberta. À hora a que o voo low-cost em que embarcaram rumo a Nantes deixou o solo português os inspectores chegavam ao bairro lisboeta à sua procura. Não terem sido avisados da ocorrência logo a seguir à descoberta da pichagem pode ter feito a diferença.

Nesta residência não foram encontrados quaisquer elementos úteis para a investigação. Antes disso, em 2020, Lia terá morado num apartamento em Telheiras que a empresa de trabalho temporário Teleperformance costumava arrendar para os seus colaboradores.

A suspeita de que Flask poderá ser cúmplice da vandalização do Padrão dos Descobrimentos, apesar de não a ter assinado, relaciona-se com a estatura de Lia. Algumas das letras da mensagem ali inscrita estão a mais de 1,90 metros de altura, razão pela qual os investigadores concluíram que a suspeita ou usou um escadote ou foi levantada por alguém. A suspeita não limitava a sua actuação artística à capital portuguesa: há fotos suas no metro parisiense.

Na justiça portuguesa estão em causa crimes de dano simples e de dano qualificado, no caso dos monumentos nacionais, o que teoricamente dá direito a uma pena de prisão de dois a oito anos. Não acreditando que lhes venha a ser aplicada cadeia efectiva, a procuradora titular do processo recorreu a um mecanismo que dá pelo nome de Decisão Europeia de Investigação, através do qual pediu às autoridades francesas que constituíssem os suspeitos arguidos e os interrogassem sobre as pichagens efectuadas em locais tão distintos como por exemplo o estádio do Sporting, o Campo das Cebolas, as Escadinhas de São Crispim, o jardim da Cerca da Graça e os elevadores históricos, além do Padrão dos Descobrimentos. Fê-lo no final de Maio, sem que até agora tenha tido resposta, apesar de ter indicado as suas possíveis moradas em território gaulês.

Tentou também apurar o valor dos prejuízos. E se a remoção das inscrições no monumento de Belém não chegou aos três mil euros, há facturas bem mais pesadas: a Carris fala numa despesa superior a nove mil euros, e a Câmara de Lisboa apresenta facturas que rondam os dez mil, valores a que se somam os despendidos por um hotel situado junto ao elevador da Glória que viu as suas paredes e cantarias atacadas durante a pandemia. Estimada em mais 2500 euros, a limpeza não resolveu por completo a pichagem das áreas de pedra, que continua conspurcada.

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