Através do ADN, encontrou-se a dona de um pendente com 20 mil anos

Investigação ao ADN de um pendente encontrado numa gruta na Sibéria consegue associar, pela primeira vez, um objecto a uma pessoa – depois de decorridos milhares de anos.

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Ilustração de uma mulher da Idade da Pedra com o colar formado pelo dente de alce Myrthe Lucas
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A bióloga molecular Elena Essel é a líder do estudo que identificou o ADN antigo deste pendente Instituto Max Planck
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A gruta Denisova, localizada na Sibéria (Rússia) RICHARD G. ROBERTS/REUTERS

Dentro de uma gruta na Sibéria, que tem sido um tesouro arqueológico, um dente canino de alce – perfurado para servir de pendente (objecto pendurado num colar ou brinco) – foi desenterrado cuidadosamente por cientistas para evitar a contaminação deste intrigante artefacto com cerca de 20 mil anos.

A recolha intocada do pendente da gruta Denisova trouxe dividendos. Os cientistas adiantam esta quarta-feira que um novo método para extrair ADN antigo identificou a (muito) antiga dona do objecto – uma mulher da Idade da Pedra intimamente relacionada com uma população de caçadores-recolectores conhecida por ter habitado uma parte da Sibéria a leste do local da gruta, no sopé das montanhas de Altai, na Rússia.

O método utilizado pelos investigadores consegue isolar o ADN presente nas células da pele, suor ou outros fluidos corporais e que foi absorvido por certos tipos de material poroso, incluindo ossos, dentes e presas, mesmo quando foi manuseado por alguém há milhares de anos.

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O dente de alce que serve de pendente e foi descoberto na gruta Denisova Instituto Max Planck

Os objectos utilizados ​como ferramentas ou para adorno pessoal – como pendentes, colares, pulseiras, anéis ou outros similares – podem dar-nos uma visão mais aprofundada sobre o comportamento e a cultura do passado, apesar de esta compreensão ter sido sempre limitada pela incapacidade de atribuir um dado objecto a uma determinada pessoa.

“Estes objectos criados no passado são extremamente fascinantes, permitem-nos abrir uma pequena janela para viajar ao passado e espreitar a vida destas pessoas”, refere a bióloga molecular Elena Essel, do Instituto Max Planck (Alemanha), a líder do estudo agora publicado na revista Nature.

Os investigadores que encontraram o pendente, com uma idade estimada de 19 mil a 25 mil anos, usaram luvas e máscaras faciais ao escavar e manusear o objecto, para evitar a contaminação com ADN moderno. Este é o primeiro artefacto pré-histórico a ser ligado, através de investigação genética, a uma pessoa em concreto. Não é claro se a mulher produziu o pendente ou se apenas o utilizou.

Elena Essel adianta que, ao segurar este artefacto nas suas próprias mãos enluvadas, se sentiu “transportada no tempo, a imaginar as mãos humanas que o criaram e usaram há milhares de anos”.

“Ao olhar para este objecto, surgiu-me uma enxurrada de perguntas. Quem o fez? Essa ferramenta foi passada de geração em geração, de mãe para filha ou de pai para filho? O facto de podermos começar a abordar estas questões através de ferramentas genéticas continua a ser absolutamente incrível para mim”, acrescenta a bióloga.

A pessoa que fabricou o pendente fez um furo no dente de alce para permitir a passagem de algum tipo de fio – agora perdido. Em alternativa, o dente poderá ter sido também parte de uma faixa para pôr na cabeça ou de uma pulseira.

Nós, os denisovanos e os neandertais

A nossa espécie Homo sapiens apareceu pela primeira vez há mais de 300 mil anos em África, espalhando-se depois pelo mundo. Os objectos mais antigos utilizados para adorno pessoal, e que conhecemos, têm cerca de 100 mil anos, e foram encontrados em África, explica Marie Soressi, arqueóloga da Universidade de Leiden (Países Baixos) que participou no estudo.

A gruta Denisova foi habitada há muito tempo e em diferentes períodos por espécies humanas já extintas, os denisovanos e os neandertais, bem como pela nossa espécie. A gruta, ao longo dos últimos anos, tem originado descobertas notáveis, incluindo os primeiros rostos conhecidos dos denisovanos e várias ferramentas por eles utilizados.

Esta nova técnica de investigação não destrutiva, utilizada num laboratório de “sala limpa” em Leipzig (Alemanha), funciona como uma máquina de lavar. Neste caso, o artefacto é imerso num líquido para libertar o ADN que está contido nele, da mesma forma que uma máquina de lavar tira as manchas de uma camisa.

Ao atribuir objectos a pessoas específicas, esta técnica pode esclarecer os papéis sociais pré-históricos e a divisão do trabalho entre sexos, ou esclarecer se um determinado objecto foi ou não criado pela nossa espécie. Alguns objectos foram encontrados em locais que são conhecidos por terem sido habitados Homo sapiens e neandertais em simultâneo.

“Este estudo abre grandes oportunidades para reconstruir melhor o papel dos indivíduos no passado, de acordo com o seu sexo e ancestralidade”, indica Marie Soressi.

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