O risco sísmico e o risco do esquecimento

O problema carece de respostas que passam essencialmente pelo cumprimento do aprovado em 2010, ignorado por todos os governos desde então e em parte revertido pelo Governo PSD/CDS.

A recente tragédia que sacudiu o solo, destruiu infraestruturas e provocou a morte de mais de 45 mil pessoas na Turquia e na Síria, funcionou como um alerta geral também para os portugueses. Podendo não estar presentes os sismos do século XX na memória da maior parte da população actual, a memória histórica do grande sismo “de Lisboa” é guardada no imaginário de todos por força da tragédia do dia de Todos os Santos de 1755 e do movimento de reconstrução que se lhe sucedeu, erguendo a baixa “pombalina” com recurso às mais recentes técnicas de construção da época e conferindo a essa área da cidade nova resistência sísmica.

Longa seria a história do registo geológico desta nossa porção do globo terrestre e, explícita que está a possibilidade de risco (que não deve ser interpretada como a promoção do alarmismo e do medo), atalhemos a um outro “sismo” muito mais recente e sobre o qual a geologia estará certamente isenta de culpa:

Em 2011 dá-se a intervenção da troika em Portugal por decisão do PS, PSD e CDS. Foi tempo de pretexto para tudo por parte do Governo PSD/CDS que aplicou a receita do empobrecimento e da exploração exigida pelo FMI, o BCE e a Comissão Europeia à generalidade do povo português. Fomos abalados por um verdadeiro terremoto nas nossas vidas.

Recuo a esse período negro apenas para relembrar o Decreto-Lei n.º 53/2014, que criava o regime excecional para a reabilitação de edifícios com fins habitacionais. Dizia o PCP em apreciação parlamentar desse diploma:

“(...) Sob o pretexto de reanimar a atividade da construção, o Governo concretiza com este decreto-lei um processo legislativo que, em vez de assegurar o objetivo enunciado, na prática fragiliza a qualidade da construção pela criação de um regime de excecionalidade em praticamente todas as dimensões: acústica, resistência sísmica, eficiência energética e qualidade térmica, acessibilidade, instalações de gás e telecomunicações”.

E o PCP tinha razão para questionar essa decisão, tendo em conta o esforço que fazia desde 2009, data da primeira iniciativa de um Plano Nacional de Redução da Vulnerabilidade Sísmica, que viria a ser aprovado em 2010.

Durante o seu Governo, PSD e CDS isentaram do cumprimento da lei todo o sector da reabilitação urbana, no que toca à segurança dos edifícios, incluindo segurança sísmica e é o PSD quem, hoje, procura branquear as suas responsabilidades através do seu grupo parlamentar e do presidente da Câmara Municipal de Lisboa com a multiplicação de iniciativas para cavalgar o medo em torno dos riscos sísmicos.

Não bastando, foi também o PSD que votou contra em 2019 a proposta do PCP para repor a obrigação de reforço da segurança sísmica nas obras de reabilitação, apresentada no âmbito do debate da Lei de Bases da Habitação.

Ao PSD e a outros que procuram navegar na espuma dos dias sobra-lhes em desfaçatez o que lhes falta em seriedade.

O problema da resistência sísmica dos edifícios é, contudo, real e carece de respostas que passam essencialmente pelo cumprimento do já definido pela Assembleia da República em 2010, ignorado por todos os governos desde então e aliás combatido e em parte revertido pelo governo PSD/CDS. Continua a fazer falta o envolvimento das autarquias locais no levantamento dos problemas, um inventário nacional das necessidades e um plano de intervenção faseada nos edifícios públicos.

Ao mesmo tempo, é fundamental o reforço de uma fiscalização capaz e atuante que assegure o cumprimento da lei que o PSD/CDS combateram. O curso atual, de desinvestimento em todas as áreas do serviço público e de total submissão aos que veem a reabilitação urbana apenas como um mercado onde é a especulação a determinar as políticas, tem de ser invertido, porque só uma política de reabilitação urbana, urbanização e ordenamento do território que enfrente os interesses do lucro e da especulação, pode enfrentar coletiva e eficazmente os riscos sísmicos.

É preciso agir já, antes que seja tarde, mas sem esquecer os responsáveis pela inação.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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