Quase 60 anos depois, Primavera Silenciosa volta às livrarias portuguesas

Imprensa da Universidade de Lisboa publica nova tradução de Primavera Silenciosa, o livro de Rachel Carson que impulsionou o movimento ambientalista e a proibição do DDT nos Estados Unidos.

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A tradutora Ana Maria Pereirinha com as edições portuguesa e anglófona do livro Primavera Silenciosa Manuel San-Payo/DR

O livro Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, considerado um texto essencial da literatura ambiental, esteve décadas indisponível no mercado livreiro nacional. Já não está mais: a Imprensa da Universidade de Lisboa acaba de publicar uma nova edição da obra, com tradução de Ana Maria Pereirinha. A sessão de lançamento está prevista para o dia 21 de Março, às 17h, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa.

“Trata-se de uma obra fundamental, seminal na área de estudos em que se insere. Desde cedo que a Imprensa da Universidade de Lisboa tinha o projecto da sua tradução e edição, e agora foi finalmente possível fazê-lo”, explica ao PÚBLICO Helena Carneiro, da Imprensa da Universidade de Lisboa.

Silent Spring – o título original, em inglês – foi publicado nos Estados Unidos no dia 27 de Setembro de 1962. No ano seguinte, já estava traduzido em 14 línguas. Mas a Portugal só chegaria em 1966, pelas mãos da Editorial Pórtico e do tradutor Raul Correia (1904-1985). Agora, 57 anos depois, a obra que impulsionou o movimento ambientalista volta a estar acessível aos leitores portugueses.

“Apesar de publicada originalmente em 1962, é uma obra que continua actual e que se torna de leitura cada vez mais pertinente e premente dadas as preocupações crescentes com o ambiente. À data da sua publicação, surtiu o efeito de tomada de consciência de uma realidade que a todos afectava, mas que era desconhecida pela maioria. Hoje, este efeito permanece”, remata a redactora e assistente editorial do Departamento de Arquivo, Documentação e Publicações da Universidade de Lisboa.

A edição que chega agora às livrarias, com uma tiragem de 650 exemplares, está inserida na colecção Textos Fundamentais da Imprensa da Universidade de Lisboa. O objectivo deste catálogo é “dar a conhecer a um público mais vasto obras de interesse inegável em várias áreas do conhecimento”.

A obra de Rachel Carson marcou a agenda política norte-americana no início dos anos 1960, fomentando um debate nacional sobre a utilização excessiva de pesticidas como o diclorodifeniltricloroetano (DDT). O livro contribuiu para a mobilização da sociedade civil, servindo se alicerce para o chamado movimento ambientalista moderno.

Mais do que contribuir para a literacia ambiental, permitindo assim que os cidadãos pudessem tomar decisões informadas, Primavera Silenciosa acabaria por condicionar mudanças históricas na esfera política e industrial. Em 1972, uma década após o livro ter chegado às livrarias, o DDT foi banido nos Estados Unidos. Também influenciou mudanças legislativas em prol da protecção do ambiente.

“Muitos livros são primeiras edições porque a maioria não ganha tracção para garantir uma reimpressão Este não foi, contudo, o destino do livro de Rachel Carson, Silent Spring. […] O livro de Carson inflamou um furor e um debate nacional que, mais tarde, se tornou internacional. Silent Spring atraiu fãs e detractores furiosos. Era uma crítica, especialmente ao DDT, e, mais genericamente, da nossa relação com o mundo natural”, escreveu num artigo o investigador John Paull, para contextualizar o facto de, volvidas décadas, a obra continuar sendo impressa um múltiplos países.

Um livro traduzido ao som de pássaros

Quando Helena Carneiro ligou a convidar Ana Maria Pereirinha para traduzir Primavera Silenciosa, a tradutora confessa ter ficado “para lá de feliz”. “Este livro faz ainda mais sentido se lido hoje – se antes constituía um sinal de alarme que perspectivava consequências futuras, agora ajuda-nos a ter uma real percepção de como chegamos até aqui”, afirma a tradutora ao PÚBLICO.

Ana Maria Pereirinha trabalhou durante a pandemia no texto que agora chega, em português, às mãos dos leitores. Debruçou-se sobre o texto original de Carson durante a Primavera de 2021 e, no fim de Outubro do mesmo ano, tinha o manuscrito concluído.

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Capa da nova edição de Primavera Silenciosa em Portugal DR

“Estava, na altura, confinada na nossa casa do Alentejo. Trabalhava no alpendre a observar os pássaros – um pintassilgo a fazer um ninho numa ameixoeira, por exemplo. Foi uma fase de trabalho particularmente feliz, tudo se encaixou”, conta.

Ana Maria Pereirinha destaca o desafio da tradução para o português de inúmeras espécies de seres vivos, especialmente plantas e insectos nativos do continente americano. E sublinha a importância da longa lista de fontes, muitas delas científicas, que fundamentam as afirmações feitas ao longo do livro.

“Houve uma opção por manter a lista de fontes na edição portuguesa. Rachel Carson teve um trabalho incrível ao indicar cada fonte, está tudo documentado, é um texto que está completamente blindado”, elogia a tradutora. O rigor científico, contudo, não impede que Primavera Silenciosa seja, simultaneamente, “um texto limpo e acessível a todos os leitores”, salienta Ana Maria Pereirinha.

Artigo corrigido a 18 de Fevereiro: Helena Carneiro é redactora e assistente editorial do Departamento de Arquivo, Documentação e Publicações da Universidade de Lisboa - e não responsável, como havia sido referido anteriormente.

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