Como proteger os pêssegos da geada? A Cova da Beira vai testar soluções

A Beira Interior vai ter o seu primeiro campo experimental para “práticas mais sustentáveis de produção”. No ano passado registaram-se perdas entre os 40 e os 60% nos pêssegos.

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Com o clima a oferecer uma incerteza grande, há cada vez menos produtores centrados apenas num fruto. Sergio Azenha

Nesta altura do ano, os produtores de pêssegos e cerejas da região da Beira Interior, e em especial da Cova da Beira, pouco mais podem fazer do que ter esperança de que 2022 não se repita. As geadas que chegaram precisamente na altura da floração, que começa em meados de Fevereiro, foram fatais para a produção, provocando quebras entre os 40 e os 60 por cento.

Para já, este tem sido “um Inverno normal, as chuvas vieram na altura em que deviam ter vindo”, diz Gonçalo Baptista, produtor e dirigente da associação APPIZÊZERE. O problema no ano passado foram as “geadas tardias, que afectaram sobretudo a produção da fruta de caroço, os pêssegos, os alperces, as ameixas, as nectarinas”, obrigando a aumentar as importações, sobretudo de Espanha, o principal fornecedor de Portugal neste tipo de frutos.

A região, que tem cerca de 2500 hectares de pessegueiros, divide-se, em termos climáticos, em duas zonas, explica Filipe Costa da organização de produtores Cerfundão. “Há a zona a Sul da Serra da Gardunha e a zona a Norte. A zona a Sul teve menos perdas [40 a 60%], por ter menos propensão para a formação de geada que a Norte [com perdas entre os 60 e os 70%].”

Com uma produção que se espalha por 800 hectares, numa propriedade situada entre Castelo Branco e o Fundão, Gonçalo Baptista colheu 800 toneladas de fruta quando habitualmente consegue retirar 1800. “Tudo à conta da geada.” E, apesar de o prejuízo ter sido grande, “não foi tão acentuado” como na região de Belmonte, no coração da Cova da Beira.

O ano de 2021 tinha também já sido mau, igualmente devido ao clima, mas por via de um fenómeno diferente. “Nesse ano foi uma tempestade de granizo, já com os frutos formados, que nos levou 80% da produção”, lamenta o agricultor.

Com as alterações climáticas a trazerem cada vez mais este tipo de fenómenos, é fundamental que os agricultores tenham instrumentos para se protegerem tanto quando possível, prevenindo situações que levem a perdas tão elevadas.

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Cestos de pessegos no reboque de um tractor num pomar na Cova da Beira Sergio Azenha

Cobertura e canhões anti-granizo

Essa é uma das principais motivações para a criação do primeiro centro experimental para “práticas mais sustentáveis de produção”, explica Maria Paula Simões, professora e investigadora da Escola Superior Agrária de Castelo Branco, que está a lançar o projecto P2 – Resilis – Resiliência na Produção Integrada e Sustentável das Prunóideas, tendo como parceiros, entre outros, a Associação de Agricultores para Produção Integrada de Frutos da Montanha (APPIM), a APPIZÊZERE, a Cerfundão e o Centro de Biotecnologia das Plantas da Beira Interior.

“O primeiro campo será plantado esta Primavera”, diz, e permitirá estudar, entre outras coisas, formas de proteger as produções de cereja e de pêssego das chuvas fortes, das geadas ou do granizo. Existem várias ferramentas para isso, mas todas representam investimentos muito avultados. Para que um produtor possa decidir em que tipo de técnica investir, ou mesmo se vale a pena fazer algum investimento, é necessário realizar testes – e essa é uma das funções do campo de ensaios.

“Queremos que, no futuro, o campo sirva também de base para testar diferentes cultivares provenientes dos planos de melhoramento de vários países”, explica a professora. “Quando um produtor quer introduzir uma cultura nova, tem que já saber algo sobre o comportamento dela, para que o investimento seja seguro.”

O mesmo se passa quando a decisão se prende com comprar ou não uma tela de protecção para as culturas. “Debaixo de uma cobertura, a cultura fica mais resistente a factores extremos e às alterações climáticas”, explica Maria Paula Simões. “Isso é ainda mais importante no caso das cerejas, porque os frutos vêm mais cedo [do que nos pêssegos] e as chuvas representam um risco maior.”

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“Queremos que, no futuro, o campo sirva também de base para testar diferentes cultivares provenientes dos planos de melhoramento de vários países”, explica Maria Paula Simões DR

Uma outra solução, referida por Gonçalo Baptista, são os canhões anti-granizo, que, diz, está a ser já utilizada em algumas zonas da Beira Alta, mas que tem um custo ainda mais elevado e só é viável se houver uma união de esforços para uma partilha da técnica. O que este produtor lamenta é que os apoios previstos no PDR 2020 (Programa de Desenvolvimento Rural) estejam “mal dimensionados”, cobrindo uma parte dos custos que considera ser insuficiente.

Filipe Costa, da Cerfundão, partilha da mesma preocupação. “As medidas que se utilizam para combater [a geada] requerem investimentos avultados”, afirma, referindo, por exemplo, as torres de ventilação que evitam a acumulação de ar frio junto das plantas.

Com o clima a oferecer uma incerteza grande, há cada vez menos produtores centrados apenas num fruto. Muitos aumentaram a área de pessegueiros para não estarem dependentes exclusivamente das cerejas, refere o responsável da Cerfundão. “É preciso minimizar o risco para o caso de as condições climáticas não serem favoráveis a uma das culturas.”

A par disso, sublinha, é importante “criar ferramentas inovadoras” e “avançar com o campo experimental e a parceria entre a universidade e a produção”, até porque é fundamental apostar em “práticas mais amigas do ambiente, para impactar cada vez menos” os solos e o planeta.