Procuradora-geral diz a Netanyahu para “evitar” interferir no sistema judicial

Processo em que primeiro-ministro israelita é acusado por corrupção deixa-o numa posição em que “pode surgir um conflito de interesses”.

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Manifestação contra Benjamin Netanyahu em Telavive no sábado passado ABIR SULTAN/EPA

A procuradora-geral de Israel, Gali Baharav-Miara, escreveu uma carta ao primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, dizendo-lhe que ele “tem de evitar intervir em iniciativas ligadas ao sistema judicial”, já que o facto de estar a ser actualmente julgado, por corrupção e outros crimes, traz “uma preocupação razoável de que possa surgir um conflito de interesses”.

O aviso foi feito dias antes de Baharav-Miara publicar a sua opinião legal sobre se Benjamin Netanyahu tem um conflito de interesses – e se está apto a ser primeiro-ministro. O político lidera agora o Governo mais radical da história do país, com partidos que se destacam pelo seu nacionalismo, racismo e homofobia.

A proposta de reforma judicial que está a ser considerada retiraria ao Supremo Tribunal o poder de revogar leis que não cumpram direitos enunciados nas leis básicas que fazem o papel de constituição, já que Israel não tem uma lei fundamental.

Estas leis básicas podem, no entanto, ser aprovadas ou alteradas por maiorias simples no Parlamento, como aconteceu recentemente para permitir que Arye Deri, do Shas, pudesse ser ministro, apesar de uma condenação por corrupção.

O Supremo decretou que Deri não podia ser ministro, quer por ter sido beneficiado de uma mudança de lei feita à sua medida, quer por se ter comprometido, no acordo que levou à suspensão da pena, a não voltar a exercer cargos públicos. Esta decisão foi apresentada pelo Governo como a prova de que o poder judicial ultrapassa as suas competências e “ignora a vontade” dos eleitores – e isso seria motivo para diminuir o seu poder.

O Governo criticou a carta da procuradora-geral, com o ministro da Justiça, Yariv Levin, a acusar Baharav-Miara de “tentar impedir o primeiro-ministro de expressar os seus pontos de vista”.

A procuradora-geral está a ser alvo de uma campanha de incitamento contra si cada vez maior e tem neste momento o maior nível de protecção de segurança, diz o Haaretz.

O vice procurador-geral Gil Limon escreveu à procuradora-geral, por seu lado, uma carta com a opinião de que “o concretizar das iniciativas judiciais, mesmo que de modo parcial, levará a uma realidade judicial e governamental que beneficie o primeiro-ministro em relação ao seu julgamento, em comparação com a situação actual, já que a independência do sistema judicial do ramo executivo seria danificada”.

Além da medida que daria ao Parlamento o poder de ignorar decisões do Supremo sobre leis que este considerasse inconstitucionais (com uma maioria simples de 61 votos em 120), a reforma inclui uma proposta legislativa para que os políticos tenham a última palavra na nomeação de juízes do Supremo – actualmente, é preciso um compromisso entre os políticos e os juízes na comissão que decide as nomeações.

EUA e economia

A reforma judicial está a enfrentar outros desafios. Na visita que fez a Israel na segunda-feira, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, disse, ao lado de Netanyahu, que os dois países partilham valores democráticos, incluindo direitos de minorias, Estado de direito, imprensa livre e uma sociedade civil activa, e notou o “direito de as pessoas serem ouvidas”, quando em Israel há protestos contra várias destas medidas.

Blinken pediu a Netanyahu para que a reforma judicial seja fruto de “um consenso alargado”, numa rara afirmação pública em relação à política interna de um aliado, o que foi visto como reflexo da importância que os Estados Unidos dão à questão.

Outra arena em que a reforma está a causar oposição é na económica: várias startups israelitas anunciaram a saída para outros países. O mais recente foi Tom Livne, o CEO da Verbit, que desenvolveu um programa de transcrição para substituir a transcrição humana em tribunais e salas de aula, que segundo a televisão americana CNBC está avaliado em dois milhões de dólares.

“Quando nós, o motor da economia, falamos assim e damos estes passos, penso que vão acabar por negociar” mudanças das medidas, disse Livne, citado pelo Haaretz.

Levine seguiu-se aos criadores dos fundos de investimento Disruptive AI, que anunciaram que iriam deslocar 250 milhões de dólares para o estrangeiro, e à criadora da plataforma de pagamentos Papaya Global, comentando que este era um “passo doloroso, mas necessário do ponto de vista dos negócios”.

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