Tunisinos apáticos perante eleições boicotadas pela oposição

A votação deste sábado é o último passo para a consolidação do poder do Presidente, Kais Saied.

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Preparativos para as eleições deste sábado na Tunísia MOHAMED MESSARA/EPA

Numas eleições boicotadas pela oposição e que despertam pouco interesse entre a maioria dos tunisinos ouvidos pelos media, o Presidente, Kais Saied, prepara-se para cimentar a sua posição de poder, na última acção que falta para dominar o país num caminho que começou com a sua eleição, em Outubro de 2019, passou pela dissolução do Governo e suspensão do Parlamento em 2021 e culminou num referendo em que alterou a Constituição para concentrar o poder na figura do Presidente, em Julho.

O Parlamento que sair da votação deste sábado será, assim, um hemiciclo com muito menos poder – antes era, por exemplo, responsável pela escolha da chefia do Governo, o que é agora uma competência do Presidente.

A suspensão do Parlamento levada a cabo por Saied, que tem governado por decreto, foi popular entre muitos tunisinos, com festejos nas ruas depois da aprovação do referendo que cimentou o seu poder.

“Os últimos dez anos foram desastrosos”, disse ao diário norte-americano The Washington Post Aymen Yaakoubi, 41 anos, chef num restaurante, em véspera da eleição. “Não foi uma revolução”, mas algo que resultou “no desintegrar do Estado”.

Mas, nota a Reuters, não era claro qual é o apoio actual de Saied numa altura em que a economia foi muito afectada pela covid-19, contraindo-se 8,5% no período da pandemia, e em que tem havido rupturas de stocks de produtos nos supermercados, enquanto o governo tenta assegurar um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujos termos seriam associados a reformas pouco populares.

Até entidades que apoiaram algumas das acções do Presidente, como o poderoso sindicato UGTT, têm sido críticas das suas medidas mais recentes, incluindo esta eleição.

Sami Hamdi, da empresa de risco global e informação International Interest, com sede em Londres, comentou que o Presidente esperava que a comunidade internacional reconhecesse as eleições para abrir caminho ao empréstimo do FMI.

No plano interno, “é irrelevante para Saied se o povo [tunisino] reconhece os resultados das eleições ou não”, declarou Hamdi à emissora alemã Deutsche Welle (DW). “Ninguém acredita que haja realmente um processo democrático na Tunísia.”

Por outro lado, a eleição não muda nada para muitas pessoas cujos desafios são conseguir o básico. “Tornaram as nossas vidas num inferno”, queixou-se à Reuters Mohamed Salmi, que trabalha na construção civil, referindo-se aos políticos do país. “O nosso sonho é conseguir uma garrafa de leite para os nossos filhos.”

Na cidade de Zarzis, na costa, muitos têm apenas um plano: sair para a Europa, juntando dinheiro para pagar aos traficantes que gerem os barcos, e dispondo-se a arriscar a vida.

Segundo o Fórum Tunisino de Direitos Económicos e Sociais, chegaram este ano a Itália mais de 17 mil tunisinos – num mês, mais do que o total de chegadas irregulares durante todo o ano de 2021, quando tinham sido 15 mil.

“Vou boicotar as eleições, não estou interessado nelas. Porque iria votar? O meu país não me deu nada”, disse à Reuters Ismail Challahki, 19 anos, desempregado.

Challahki tentou quatro vezes chegar a Itália de modo irregular. Na primeira vez, o barco apanhou mau tempo. “Durante pelo menos quatro horas, foi muito mau”, lembrou. As pessoas choravam, pediam para o barco voltar.

Mas isso não o impediu de voltar a tentar, sem nunca conseguir. Agora, Challahki está a poupar dinheiro para tentar de novo. Mesmo que nas ruas da cidade estejam retratos de 18 pessoas que morreram ou desapareceram após um naufrágio no Outono, que levou a protestos, com os habitantes da localidade a culpar o Governo pela falta de socorro.

Se muitos são indiferentes às eleições, outros não vão votar para não legitimar uma fraude. “A minha participação iria normalizar uma situação ilegal e não democrática”, disse a professora de inglês Soumaya Salhi à DW. “Que sentido faz eleger deputados que não podem nem tomar as suas próprias decisões, nem ter o poder para que o Presidente e os membros do governo sejam responsabilizados?”, pergunta.

Vão participar na eleição um total de 1058 candidatos, entre os quais há apenas 120 mulheres. O boicote dos partidos da oposição faz com que dez dos 161 lugares em disputa tenham apenas um candidato, e em sete dos círculos eleitos por votos da diáspora, não há sequer candidatos, nota a Reuters.

As mulheres são vistas como outra das vítimas do processo de centralização do poder no Presidente. “O Parlamento tunisino era antes o exemplo de igualdade de género na região”, notou Salsabil Chellali, a directora para a Tunísia da Human Rights Watch, num artigo no site da organização. Mas a nova assembleia, eleita sob uma nova lei eleitoral, "pode vir a ser constituída quase exclusivamente por homens", lamentou.

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