Presidente da Tunísia começa a governar oficialmente por decreto

Kais Saied, que dissolveu o Parlamento em Julho, vai poder legislar sozinho em áreas como “a organização da justiça e da magistratura”, “da informação e da imprensa” ou “dos partidos políticos, sindicatos e associações”.

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As manifestações contra a usurpação de poderes de Saed continuam em Tunes EPA/MOHAMED MESSARA

Dois meses depois de ter demitido o primeiro-ministro e suspendido o Parlamento, assumindo o poder executivo, o Presidente tunisino, Kais Saied​, fez saber que vai assumir novos poderes. Horas depois do anúncio, através de um comunicado do gabinete presidencial, uma série de decretos publicados no diário oficial confirmavam que o Presidente governará por decreto.

O líder do partido islâmico moderado Ennahdha, e presidente do Parlamento dissolvido, rejeitou imediatamente as alterações promovidas pelo Presidente, defendendo em declarações à Reuters que significam o cancelamento da Constituição em vigor desde 2014. O Ennahdha, que descreveu as decisões de Saied em Julho como “um golpe de Estado”, não vai aceitar mais este retrocesso na transição da Tunísia para a democracia, afirmou Rached Ghannouchi.

Na segunda-feira, numa visita a Sidi Bouzid, berço da revolução tunisinaSaied anunciara que vai nomear um novo chefe de Governo, mas evocou um “perigo iminente” contra a nação para justificar a continuação do estado de emergência em vigor desde 25 de Julho.

Considerado o único caso de sucesso das chamadas Primaveras Árabes, a Tunísia tem vivido um longo e difícil processo político desde a queda de Ben Ali, em Janeiro de 2011, mas escapou ao ciclo de golpes, violência e guerra em que mergulharam a maioria dos países que há dez anos viveram movimentos de revolta.

A Constituição em vigor, que consagra a igualdade entre homens e mulheres e determina que “as liberdades de opinião, de pensamento, de expressão e de informação estão garantidas”, foi fruto de demoradas negociações (e muitas cedências) entre o Ennahdha e a oposição laica, depois de um período de instabilidade provocado pelo choque entre as visões para o país dos dois campos.

Saed tem insistido que não tem ambições ditatoriais e prometido defender os direitos dos tunisinos, ao mesmo tempo que continua a usurpar poderes. Quando dissolveu o Parlamento, depois de meses de protestos nas ruas provocados pelo impasse político entre o Presidente, o primeiro-ministro e Ghannouchi, que dificultava a imposição de medidas eficientes de combate à pandemia de covid-19, Saed viu muitos tunisinos festejarem a sua decisão. Logo depois, houve confrontos entre apoiantes e críticos do chefe de Estado.

O texto que reúne os novos poderes é um decreto com 23 artigos. O artigo 5 detalha as cerca de trinta áreas em que o Presidente poderá legislar através de decreto-lei, onde se incluem questões fundamentais para qualquer democracia: “a organização da justiça e da magistratura”, “a organização da informação, a imprensa e a publicação”, “a organização dos partidos políticos, sindicatos, associações” ou do Exército. O artigo 22 estabelece que o Presidente vai preparar projectos de revisão relacionados com reformas políticas, sendo auxiliado por uma comissão que o próprio vai criar por decreto.

“Na verdade”, explica ao jornal El País um analista europeu que pede anonimato, “Kais Saed já governava por decreto”. Foi assim que “decretou a suspensão dos poderes do Parlamento, a cessação de vários ministros e, posteriormente, decretou a extensão sine die das medidas de emergência…”.

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