Deixem os miúdos votar

Somos sempre rápidos em assumir que a participação dos jovens é importante. Mas, depois, somos pouco consequentes nas ações.

São desconcertantes algumas tomadas de posição sobre a possibilidade de redução da idade de voto para os 16 anos, prevista nas propostas de vários partidos no âmbito de uma eventual revisão constitucional. A de Augusto Santos Silva, presidente da Assembleia da República, que acusa a medida de conter um “palavreado paternalista”, é talvez a que mais impressiona, porque totalmente enviesada do verdadeiro problema que provoca o debate: a sub-representação dos jovens nas tomadas de decisão, agravada pelo acentuado envelhecimento demográfico que o país regista.

A discussão tem pouco que ver com a realidade da participação eleitoral. Em dez milhões de eleitores, a redução da idade de voto ampliará os cadernos eleitorais em pouco mais de 200 mil cidadãos com capacidade de voto, cerca de 100 mil residentes com 16 anos e outros 100 mil com 17 anos, segundo os resultados dos Censos 2021. Trata-se, sim, de uma alteração do funcionamento da nossa democracia que pode permitir atenuar um pouco o desequilíbrio etário do universo de eleitores portugueses, e que dará aos jovens uma mensagem importante sobre o papel efetivo que devem assumir na escolha dos programas e protagonistas políticos que os representam.

Contra a proposta, há os que entendem que nestas idades ainda não há maturidade suficiente para fazer escolhas esclarecidas, isto sim, uma ideia muito paternalista. E também há os que defendem que estes jovens ainda não tiveram formação política suficiente, um argumento estranho num país que ainda hoje viveria em ditadura se tivesse ficado à espera que a sua população tivesse tido formação política.

Sejamos francos, esta maturidade ou formação que agora lhes exigimos trouxe-nos aos atuais níveis de abstenção de 50% em eleições legislativas e autárquicas, e de 60% ou mais em europeias e presidenciais, que não serão contrariados enquanto não houver uma diversificação dos meios de votação, ou a facilitação do processo de votação dos eleitores em mobilidade e dos cidadãos a residir no estrangeiro. E também não evitaram os constrangimentos com que nos deparamos em Portugal em tantos setores. É evidente que precisamos de outras ideias para os confrontar, e é isso que os jovens nos podem ajudar a encontrar: novos caminhos e outras soluções, para o que os afeta mais diretamente e para o que é necessário garantir para todas as gerações.

Mas os jovens portugueses com 16 e 17 anos não podem votar, mesmo trabalhando, pagando impostos ou respondendo perante a lei, entre outras responsabilidades. São considerados em diferentes documentos de orientação política, chamados a participar em processos de auscultação para que possamos, eventualmente, considerar as suas opiniões em programas, medidas, projetos, mas nunca mais do que isso.

Somos sempre rápidos a assumir este princípio de que a participação dos jovens é importante, como plasmado em documentos como a Convenção dos Direitos da Criança, a Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a Estratégia da União Europeia para a Juventude 2019-2027, ou mesmo o II Plano Nacional para a Juventude, recentemente aprovado. Mas, depois, somos pouco consequentes nas ações.

Há dias foi apresentada a Carta Europeia da Juventude e Democracia, que recomenda que os Estados-membros considerem a possibilidade de redução da idade para participação eleitoral, como medida promotora da participação democrática dos jovens. É mais um documento relevante, patrocinado pelo Comité das Regiões, que até é presidido por Vasco Cordeiro, membro do mesmo PS que em Portugal é contra a proposta. Mais uma vez, aplaudimos, subscrevemos, mas não vamos avançar?

Neste final do Ano Europeu da Juventude 2022, e numa Europa que seguirá este caminho, é caso para dizer que os jovens portugueses mereciam outra consideração.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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