Mehra Samak, 27 anos, foi morto no seu carro quando apitou a celebrar a derrota do Irão

Desaire da selecção no Qatar alimentou protestos em muitas cidades iranianas. Em algumas, as forças de segurança dispararam contra manifestantes, incluindo alguns que buzinavam nos seus carros.

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Uma adepta levou para um dos jogos do Irão no Mundial uma camisola da selecção com o nome de Mahsa Amini Reuters/DYLAN MARTINEZ

Não é a primeira vez que as forças de segurança iranianas matam a tiro pessoas dentro dos seus carros nas últimas dez semanas, desde o início da contestação que tem abalado o regime. Desta vez, Mehra Samak, de 27 anos, tinha acabado de buzinar para festejar a derrota do Irão frente aos Estados Unidos, no jogo que ditou a eliminação da selecção iraniana do Mundial do Qatar, na terça-feira. O futebol mobiliza paixões no país e a selecção costuma ser vista como factor de união, mas desta vez os festejos, que se estenderam a várias cidades, justificam-se porque, escrevem alguns iranianos nas redes sociais, uma vitória estaria a ser festejada pelos líderes da República Islâmica.

A morte de Mehra Samak, atingido na cabeça, na cidade de Banzar Anzali, na terça-feira à noite, foi divulgada por activistas dos direitos humanos no Irão e jornalistas iranianos independentes. O serviço persa da BBC obteve um vídeo do enterro do jovem, esta quarta-feira de manhã, onde se canta “Vocês são os imundos, vocês são os imorais, eu sou uma mulher livre”, um dos muitos slogans adoptados pelos manifestantes desde a morte de Jina Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia da “polícia da moralidade”, que a prendera por uso incorrecto do hijab (lenço islâmico).

Desde então, não têm sido necessários mais pretextos para protestos – que podem ser manifestações de alguma dimensão, envolver apenas os habitantes de um bloco de apartamentos, para escapar à repressão, ou expressar-se na decisão de muitas mulheres que passaram a andar por Teerão sem o obrigatório hijab – mas todos os meios disponíveis têm sido usados para pedir a queda do regime dos mullahs, no poder desde a criação da República Islâmica em 1979.

As imagens de festejos da derrota no Qatar chegaram de muitas cidades, de Teerão a Behbahan, no Khuzistão, onde vive a maioria dos árabes do Irão (discriminados, como todas as minorias), ou em diferentes cidades do Curdistão, uma das regiões onde as forças de segurança têm sido mais violentas e onde as organizações de direitos humanos contabilizam muitas dezenas de mortos só nas últimas duas semanas.

Além de Banzar Anzali, onde as forças de segurança dispararam contra automóveis e feriram várias pessoas (Mehra Samak, que tinha acabado de ficar noivo, morreu já no hospital), vídeos publicados nas redes sociais pelo colectivo de activistas anti-regime 1500tasvir mostram a polícia a abrir fogo contra pessoas em Behbahan ou a espancar uma mulher em Qazvin, a sul de Bandar Anzali.

Na terça-feira, no Qatar, houve iranianos descritos como “pró-regime”, de bandeiras nacionais na mão, que atacaram várias pessoas com T-shirts onde se lia “Mulher, vida, liberdade”, o principal slogan dos protestos a que os manifestantes chamam revolução. De acordo com um responsável envolvido na segurança dos jogos do Irão ouvido pela CNN, o regime teria enviado centenas de “falsos” apoiantes para diluir a presença de adeptos que escolheram manifestar a sua oposição, apupando o hino ou exibindo sinais de apoio aos protestos, nos dois primeiros jogos.

De acordo com o mesmo responsável, depois de não terem cantado o hino no jogo de estreia, no dia 21, com a Inglaterra, os jogadores foram chamados para um encontro com membros dos Guardas da Revolução (a poderosa força de elite próxima do supremo líder, o ayatollah Ali Khamenei), onde lhes foi dito que as suas famílias enfrentariam “violência e tortura” se eles não cantassem o hino e caso se associassem a qualquer protesto. Os jogadores cantaram o hino nos dois jogos seguintes.

A ONG Iran Human Rights consegue confirmar a morte de 448 pessoas, incluindo 60 crianças, pelas autoridades desde o início dos protestos (o número real será superior). Os detidos serão mais de 15.000, com seis pessoas condenadas à morte e dezenas em risco de o ser. Segundo o site de notícias Mizan Online, ligado ao poder judicial, a estas devem somar-se 15 pessoas, incluindo três adolescentes, que começaram a ser julgadas esta quarta-feira, acusadas de “corrupção na terra”, por causa da morte de um membro da milícia Basij na sequência do funeral de um manifestante, em Karaj, uma cidade a oeste da capital.

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