Irão ameaçou prender e torturar famílias dos jogadores no Mundial do Qatar, diz a CNN

O futebol arrebata muitas paixões no Irão, mas desta vez os protestos puseram os jogadores sob uma pressão gigante. Queiroz terá tido encontro com os Guardas da Revolução depois das ameaças.

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Carlos Queiroz, durante um treino na segunda-feira AMR ABDALLAH /Reuters

Não cantaram o hino no jogo de estreia, frente à Inglaterra, mas fizeram-no na sexta-feira, antes do arranque da partida em que derrotaram o País de Gales, com dois golos celebrados (ao contrário do que acontecera no primeiro jogo, nos dois marcados pelo avançado do FC Porto, Mehdi Taremi). Esta terça-feira, o Irão defronta os Estados Unidos: segundo disse à CNN um responsável envolvido na segurança dos jogos, as famílias dos membros da selecção foram ameaçadas de prisão e tortura se os jogadores não se “comportassem” antes da partida.

Face aos protestos de uma dimensão inédita que há dois meses e meio abalam o regime iraniano, os jogadores da Team Melli (como é tratada a selecção) viram-se encurralados entre a aparente vontade de manifestar o seu apoio às dezenas de milhares de detidos e às famílias das centenas de mortos e o receio de, ao fazê-lo, alienarem os iranianos que continuam a apoiar os líderes da República Islâmica e de arriscarem, eles próprios, represálias. Enquanto muitos se dizem desiludidos com a equipa, argumentando que não cantar o hino é muito pouco, comparado com o que enfrentam os manifestantes, outros saíram à rua no Irão para celebrar a derrota diante da Inglaterra.

Terá sido depois da recusa em cantar o hino que os jogadores foram chamados para uma reunião com membros dos Guardas da Revolução, a poderosa força de elite próxima do supremo líder, o ayatollah Ali Khamenei, descreve o responsável ouvido pela CNN. Aí, foi-lhes dito que as suas famílias enfrentariam “violência e tortura” se eles não cantassem o hino e se associassem a qualquer protesto. “Há muitos membros das forças de segurança no Qatar a reunir informação e a monitorizar os jogadores”, afirma a mesma fonte, segundo a qual dezenas de membros dos Guardas da Revolução vigiam os jogadores, que estão proibidos de conviver com outras pessoas ou de se encontrarem com estrangeiros.

Este responsável acrescenta que o seleccionador, Carlos Queiroz, se reuniu separadamente com os oficiais dos Guardas da Revolução, depois das ameaças. Antes do jogo com a Inglaterra o regime terá prometido aos jogadores “presentes e carros”, mas depois da “humilhação” do silêncio durante o hino decidiu mudar de estratégia. “No jogo contra Gales, enviou centenas de adeptos falsos para criar a ideia de apoio. Para o próximo jogo, contra os EUA, o regime está a planear aumentar significativamente o número de actores para os milhares”, adiantou ainda o responsável que falou com o canal de notícias norte-americano.

Vários desportistas no Irão têm sido alvo de represálias por se aliarem aos protestos: na véspera do Irão-País de Gales, Voria Ghafouri, ex-membro da selecção e antigo capitão do Esteghlal de Teerão (treinado por Ricardo Sá Pinto), onde jogou até à época passada, foi detido, acusado de “manchar a reputação da selecção e espalhar propaganda contra o Estado”. Ghafouri é curdo e nasceu na cidade de Sananjad, no Oeste do Irão, palco de uma repressão especialmente violenta durante as últimas semanas. A contestação que os manifestantes descrevem como uma revolução começou com a morte de uma jovem curda, Jina Mahsa Amini, detida pela “polícia da moralidade” por ter alguns cabelos à mostra apesar de usar o obrigatório hijab.

Segundo algumas notícias, Ghafouri terá sido libertado na segunda-feira – o site de notícias Mizan Online, ligado ao poder judicial, noticiou a libertação de “709 detidos de diferentes prisões no país”, na sequência da vitória contra o País de Gales, incluindo “alguns detidos durante os eventos recentes”.

Ghafouri, que já usara as redes sociais para denunciar a violência do regime, publicou uma foto sua vestido com uma túnica tradicional curda e visitou alguns dos feridos nos protestos em Mahabad, cidade onde os protestos têm sido intensos e o regime tem disparado contra manifestantes.

Esta não foi a primeira vez que Ghafouri enfrentou a República Islâmica: em 2019, depois da morte de Sahar Khodayari, a adepta que se imolou pelo fogo à porta do tribunal depois de saber que podia enfrentar seis meses de prisão por ter entrado num estádio para ver jogar o seu Esteghlal, distribuiu camisolas azuis da equipa em sua homenagem. “Como jogador de futebol, sinto-me humilhado quando jogo numa era em que as nossas mães e irmãs estão proibidas de entrar nos estádios”, afirmou em 2021, depois de um incidente com adeptas.

Em Outubro, a escaladora Elnaz Rekabi competiu sem hijab em Seul. Depois de notícias de que teria sido detida por membros dos Guardas da Revolução na embaixada, escreveu no Instagram que a falta de hijab não tinha sido intencional. No dia seguinte, regressou ao país, sendo recebida por centenas de iranianos que a esperaram a gritos de “heroína”. Soube-se depois que as autoridades tinham detido o seu irmão para a pressionar e, segundo disseram ao PÚBLICO activistas iranianos dos direitos humanos, semanas depois Rekabi continuava em prisão domiciliária.

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