O que acontece quando as auto-estradas desaparecem? “As pessoas mudam os hábitos”

O urbanista Paul Lecroart defende que é possível transformar auto-estradas em avenidas, distribuindo o espaço que hoje pertence aos carros por outros modos de deslocação, habitação ou espaços verdes.

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Paul Lecroart é urbanista no Instituto de Planeamento da Região de Paris e professor na Sciences Po Urban School Benoit Billard

Junta o trabalho de urbanista no Instituto de Planeamento da Região de Paris ao de professor na Sciences Po Urban School, na capital francesa. Paul Lecroart tem trabalhado em planeamento para regiões metropolitanas e, ultimamente, tem-se debruçado sobre a transformação de auto-estradas em avenidas. É sobre esse exercício que vem falar à conferência The Future Design of Streets, que decorre nesta sexta-feira, no Porto, e é organizada por uma plataforma de urbanistas que começou por dinamizar uma série de webinars em 2020, para discutir o futuro da rua.

O que acontece quando as auto-estradas desaparecem?
As pessoas mudam os hábitos. Quando falamos de auto-estradas, estamos a falar de grandes pedaços de infra-estrutura rodoviária. Não é fácil, mas é possível.

E o que precisa de acontecer para que as auto-estradas desapareçam?
Muita vontade política e muitos recursos financeiros. É claro que nem todas as auto-estradas precisam de desaparecer. Precisamos delas para distribuir pessoas e bens nas áreas metropolitanas, mas, quando estas auto-estradas atravessam bairros, podem ser transformadas em avenidas. Tudo funcionaria melhor: o tráfego, porque menos pessoas precisariam de usar o carro; as conexões, porque será mais fácil de ir de um sítio ao outro.

E uma avenida precisa de muito menos espaço para carros do que uma auto-estrada, portanto, podemos dar-lhe outros usos, como espaços verdes ou habitação. O caso de Helsínquia, por exemplo, é muito interessante: descobriram que, até 2050, um terço do seu potencial de desenvolvimento [imobiliário] está localizado ao longo destes corredores.

Para levar a cabo essa transformação, será preciso articulá-la com outros planos, como políticas de habitação e aumento de oferta de transporte publico.
Certo. E também com todas as alternativas aos carros, desde trabalhar mais em casa, aumentar a partilha de carros ou criar mais ciclovias. Também é preciso juntar tudo e articular todos os decisores políticos. Essa é a parte mais difícil.

Por exemplo, no Porto, a Via de Cintura Interna está constantemente engarrafada. Transformá-la numa avenida não provocaria mais congestionamento noutras vias?
Não se pode mudar as coisas de um dia para o outro. O trabalho tem de ser incremental, mudando gradualmente os hábitos e mostrando o impacto positivo. Podemos fechar as auto-estradas aos domingos e transformá-las em parques. Já foi feito em São Paulo, por exemplo. Fizemo-lo em Paris, com a périphérique [o anel que circunda a capital francesa. Já este ano, a câmara de Paris anunciou um plano para transformar esta via numa cintura verde].

Funcionou muito bem. As pessoas ficaram tão animadas que agora querem mais. Mas, para isso, tem que se ter em conta todo o sistema de transportes. Em Paris, o tráfego caiu 30% nos últimos 15 anos. O tráfego está a encolher no centro da cidade e, gradualmente, também há menos tráfego nas zonas exteriores da cidade. A questão é que há uma boa oferta de transportes no núcleo das áreas metropolitanas, mas fora é muito mau. É aí que o trabalho de reforço de transportes públicos tem de ser feito. Não só para o centro da cidade, mas também em seu redor [de subúrbio para subúrbio].

Há mais exemplos dessa conversão, em Paris?
Já fizemos alguma dessa transformação na zona de La Défense [o distrito financeiro de Paris], que tinha um anel rodoviário que tem vindo a ser transformado com semáforos e passadeiras. Está longe de ser perfeito, mas é um primeiro passo. No centro de Paris também não há mais carros nas margens do rio Sena, onde costumavam circular 40 mil automóveis por dia. Estive envolvido no estudo de impacto dessa solução. As pessoas diziam que o trânsito ia “ficar um caos”. O meu trabalho foi dizer não, não vai. Vai haver caos durante alguns dias ou semanas, mas depois as pessoas adaptam-se à situação.

Em Montreuil também estamos a transformar uma auto-estrada numa avenida que terá espaço para a linha de eléctrico. Mas também dirijo um grupo de peritos na Rede Europeia de Áreas e Regiões Metropolitanas - Metrex e estamos a olhar para uma série de casos destas transformações. Gostaríamos de documentar um caso no Porto, a Estrada Nacional 12 [Circunvalação, via que passa por Matosinhos, Porto, Maia e Gondomar]. Não é bem uma auto-estrada, mas serve uma função mais rodoviária.

Estão a estudar a Circunvalação?
Estive no Porto no último ano e Daniel Casas Valle [urbanista, um dos dinamizadores da conferência] levou-me à N12. Começámos a fazer um estudo, analisando o projecto [que a Área Metropolitana levou a cabo, mas que está há anos congelado, uma vez que a EN12 ainda não passou da administração central para as autarquias]. Provavelmente será publicado em Fevereiro.

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