O país ainda não sabe o que fazer às suas terras marginais

Henrique Pereira dos Santos escreveu Das Pedras, Pão, um livro sobre áreas que o país deixou ao abandono.

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Depois de serem espremidas por nutrientes, as terras marginais perderam a sua função Duarte Belo
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Serviam, como poucas ainda servem, para pastoreio Duarte Belo
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Os nutrientes processados pelos animais eram utilizados para fertilizar os campos, antes dos adubos sintéticos Duarte Belo

Havia uma dinâmica que não voltará a ser o que era. Durante séculos, as terras marginais foram fonte de fertilidade, através de um ciclo que incluía pastoreio e fogo para ali captar nutrientes para usar noutras áreas que seriam plantadas. No entanto, com a sintetização dos adubos industriais no início do século XX, esses espaços foram perdendo a sua função. Hoje, as terras marginais estão num impasse.

Esta é a ideia que serve de base a Das Pedras, Pão, um livro bilingue editado pelo Museu da Paisagem que contém dois ensaios: um escrito, de Henrique Pereira dos Santos, e um fotográfico, de Duarte Belo, que captou paisagens marcadas pela escassez e pelo abandono.

O grande problema, explica Henrique Pereira dos Santos, arquitecto paisagista e ex-dirigente do Instituto da Conservação da Natureza e Florestas, é que o país ainda não decidiu o que fazer a essas terras marginais, que aqui são definidas não pela proximidade a linhas de água, mas pela sua baixa “capacidade de alimentar gente”, como escreve o autor, por serem solos não agrícolas. Falamos sobre elas quando falamos sobre fogos, mas mantemo-las maioritariamente ao abandono. Ou seja, não as mantemos, de todo. Existe mesmo “uma ausência de pensamento sobre o que aconteceu”, defende. “Até hoje”, diz, “não conseguimos ter uma discussão racional sobre formas socialmente úteis para reintegrar essas terras no nosso quotidiano”.

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“Não conseguimos ter uma discussão racional sobre formas socialmente úteis para reintegrar essas terras no nosso quotidiano”, diz o autor Duarte Belo

No fundo, Henrique Pereira dos Santos fartou-se de ter a mesma discussão todos os anos, de cada vez que o tema eram os incêndios florestais, explica, e escreveu sobre os argumentos que ia utilizando.

A partir do problema de base, que é o abandono destas terras, pondera duas vias: florestar ou renaturalizar, sendo que as duas encerram os seus próprios problemas. Aqui, o autor mantém-se declaradamente em cima do muro, defendendo que as duas podem ser aplicadas, dependendo das circunstâncias.

Em busca desse uso alternativo, explora-se a primeira via. Mas, além das árvores, cresce também vegetação arbustiva “que alimenta a alteração do padrão de um elemento fundamental como o fogo”. Como consequência, “em grande parte desses territórios, descobrimos que florestação não é economicamente viável”, prossegue.

“E até podemos renaturalizar. Não podemos é esquecer que essa utilização implica um padrão de fogo que a maior parte das pessoas não está disposta a aceitar”, nota o autor. Até chegar a esse “paraíso natural”, há um processo de transição associado, provavelmente longo, acompanhado pelo fogo.

Paraísos naturais

Antes da síntese da amónia, as terras marginais eram um depósito de fertilizante. Não porque fossem férteis, mas porque a sua vegetação era lugar de pasto de ruminantes que ali iam arrancar nutrientes que, por sua vez, seriam aproveitados para adubar as terras de plantação na forma de estrume.

Passada essa necessidade, dá-se o abandono. Seja qual for a solução que se segue, o fogo tem de fazer parte dos cálculos, sustenta. “Tal como a chuva, o fogo é um elemento natural. Não podemos fazer chover mais ou menos, mas podemos escolher o que fazer com a água que cai. Temos de organizar o território não de maneira a evitar a chuva, mas a evitar os estragos que causa. Temos de organizar o território para incorporar o fogo na nossa vida.”

A25 sobre o vale do rio Côa, Almeida Duarte Belo
São Cornélio, Sortelha, Sabugal Duarte Belo
Arcozelo das Maias, Oliveira de Frades Duarte Belo
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A25 sobre o vale do rio Côa, Almeida Duarte Belo

No livro, o arquitecto paisagista também combate a ideia de “paraísos naturais” que floresceriam. “As tais terras marginais não evoluíram como esperávamos, não se tornaram paraísos naturais onde poderíamos dar longos passeios aos domingos”, escreve. A questão central é mesmo ter quem vá acompanhando esses terrenos.

“Precisamos de trazer gestão para esses territórios que, para nós, enquanto sociedade, não estão a ser úteis”, aponta. “A gestão da transição de uma terra de matos para um carvalhal maduro pode ser muito mais eficaz com fogos de quatro em quatro anos do que o abandono”, reforça, no livro. Aqui, regressa-se ao eterno problema dos lugares de baixa densidade do país, onde estão essas terras marginais: a falta de pessoas. A este problema sem uma solução de curto prazo à vista acresce que muitas das pessoas que vivem nesses territórios “já não têm uma relação directa com a produção primária”.

O livro Das Pedras, Pão tem uma apresentação marcada para esta terça-feira, dia 15, na Livraria da Travessa, em Lisboa, e nova sessão agendada para quarta-feira, dia 16, no Instituto Superior de Agronomia.

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