Renaturalizar o Portugal abandonado

Em Portugal, as melhores manchas de carvalho são originárias de regeneração natural e não de plantações. O aumento das populações de herbívoros, como o javali ou o corço, ou ainda o regresso das populações de carnívoros um pouco por toda a Europa são provas do renascer da natureza.

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Adriano Miranda

Todos conhecemos a história. Vamos à terrinha, ouvimos os avós, a contar como era antes, como os campos eram cultivados, amalhados, trabalhados e já não são. “Há mais gente velha do que gente nova” dizem. “Hoje os campos estão cheios de ervas e arbustos”, ou ainda “Está sujo, cheio de mato” são frases comuns de Norte a Sul do país e também um pouco por toda a Europa. No velho continente é esperado que uma área do tamanho da Espanha seja abandonada até 2030. Em Portugal e na Europa, o abandono agrícola de terras marginais é um facto do passado, uma realidade do presente e uma certeza do futuro.

Mas há um outro lado desta história, esquecido, que urge contar. Graças à diminuição da pressão humana na paisagem, o chamado “abandono dos campos agrícolas”, a natureza renasce. Em Portugal, as melhores manchas de carvalho são originárias de regeneração natural e não de plantações. O aumento das populações de herbívoros, como o javali ou o corço, ou ainda o regresso das populações de carnívoros um pouco por toda a Europa são provas do renascer da natureza.

Contudo, para tirar o maior proveito do “abandono agrícola” há três importantes lições. Primeiro, não é preciso gerir a natureza. Quando o ministro do Ambiente afirma que “grande parte da biodiversidade depende de actividades agrícolas tradicionais”, ou que “perder população em áreas protegidas é um problema”, ou ainda títulos como Parque Natural do Alvão: A paisagem que não existe sem o homem, parte-se do princípio que a natureza tem que ser gerida e que a agricultura tradicional tem que ser mantida para a vida selvagem prosperar. A experiência prova o contrário. Zonas sem distúrbio humano albergam mais vida selvagem do que zonas geridas e/ou intervencionadas.

Além disso, gerir a natureza sai caro. Há várias maneiras de gerir a paisagem de uma maneira activa ou passiva. Um exemplo de uma maneira activa é o fogo prescrito, feito para prevenir os incêndios no Verão, e queimadas controladas no Inverno. Uma alternativa é prevenir os incêndios através do regresso de populações de herbívoros, como as cabras-monteses, os veados ou os cavalos selvagens, medidas mais baratas, duradouras e que oferecem melhores resultados.

Mas para isso é importante um foco na coexistência, adaptar a nossa presença à natureza e não adaptar a natureza à nossa presença. Por exemplo, em vez de escolher não reintroduzir cabras-monteses com medo de conflitos com a agricultura, porque não reintroduzir as cabras-monteses e adaptar a agricultura à presença deste animal? Mesmo com custos para prevenir inconveniências, os benéficos tendem a ser muito superiores.

Segundo, os incentivos económicos são chave. As políticas públicas devem focar-se em autonomizar as populações rurais. Não em criar dependências ou apoiar interesses económicos que dão prioridade a lucros de curto prazo. Os que ficam em zonas rurais em idade de trabalho usam muitas vezes os subsídios agrícolas para continuar actividades economicamente irrelevantes e dependentes, em vez produzir de biodiversidade ou serviços de ecossistemas. Não fará mais sentido, com uma pequena fracção do custo, restaurar áreas naturais do que continuar a insistir em práticas agrícolas em solos pobres?

Por último, é uma prioridade restaurar ecossistemas. As áreas protegidas de Portugal estão em mau estado e enfrentam inúmeras ameaças. Áreas protegidas vastas e bem conservadas geram muitos benefícios, desde armazenamento de carbono à preservação da biodiversidade. No passado, zonas selvagens foram convertidas para a agricultura, hoje podem ser devolvidas a um estado mais selvagem. Se dermos uma mãozinha à natureza, nesta época do Antropoceno com mudanças climáticas e extinções em massa, talvez a natureza nos possa dar uma mãozinha a nós.

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