A floresta de produção merece mais

Uma floresta de produção bem gerida é seguramente a forma de floresta que, no seu conjunto, mais contributos traz para a sociedade portuguesa.

Começo com uma declaração de interesses: desempenho, desde há cerca de dois meses, a função de diretor-geral da CELPA, na qual estão associadas empresas que produzem pasta, papel, tissue (como papel higiénico, guardanapos de papel ou papel de cozinha) e cartão a partir de madeira (essencialmente eucalipto e pinho) e de papel reciclado. Ora, as empresas que a CELPA representa (bem como outras, ligadas a outras fileiras de base florestal) necessitam de áreas de floresta especialmente dedicadas à produção de madeira. Alguns dirão que assim está explicado o conteúdo do texto abaixo. Desenganem-se: o que o explica é aquilo em que acredito, fruto do meu conhecimento e da minha experiência profissional. Esperando, é certo, estar do lado certo da história, questão que só o futuro determinará.

Feita a declaração de interesses, que vale o que vale, vamos ao que verdadeiramente interessa. Ao longo dos últimos anos, de forma muito ativa por parte de alguns e por simples omissão por parte de outros, tem vindo a construir-se a ideia de que as “florestas de produção” (perdoem-me o termo, porque de facto não conheço nenhuma floresta que não produza), por se destinarem a produzir matéria-prima para diversas indústrias, devem ficar arredadas quer das preocupações das políticas públicas (exceto no seu caráter restritivo), quer da consideração e valorização dos contributos que dão à sociedade na multiplicidade de funções que cumulativamente desempenham.

Alguns sinais desta tendência são muito evidentes. Se retivermos, por exemplo, as diversas medidas de política que, ao longo dos últimos anos, têm vindo a ser anunciadas para a Floresta, verificaremos que a maior parte delas se destinam a áreas muito restritas do território nacional, normalmente focadas na preocupação (legítima) dos incêndios rurais. Nestas medidas a que nos referimos, com muito poucas exceções, a floresta de produção tende a ser tratada como inimiga das populações, impondo-se-lhe inúmeros obstáculos e retirando-lhe rentabilidade. Quanto a medidas de política positivas, que enquadrem o reconhecimento do papel que as florestas de produção desempenham em termos económicos, sociais e ambientais, nada de relevante tem acontecido.

É fundamentalmente neste aspeto que a floresta de produção merece mais. Merece mais atenção política, merece mais instrumentos, merece mais reconhecimento social. Merece mais, porque dá muito mais à sociedade do que aquilo que por vezes nos querem fazer crer. Claro que não é “toda e qualquer” floresta de produção. Num paralelismo com a célebre afirmação de Ortega y Gasset de que “o homem é o homem e a sua circunstância”, também a “floresta de produção é ela própria e a qualidade da sua gestão”. O mesmo se aplica a uma floresta que se quer “apenas” de conservação.

Sim, uma floresta de produção bem gerida (o conhecimento e a tecnologia disponíveis permitem hoje definir inequivocamente o que é a “boa gestão” de cada povoamento florestal), seja ela de sobreiros, de pinheiros, de carvalhos, de eucaliptos ou de outra espécie qualquer, é seguramente a forma de floresta que, no seu conjunto, mais contributos traz para a sociedade portuguesa. Perdoem-me a terminologia menos coloquial, mas a valoração de uma “variável objetivo” através de uma matriz de decisão multicritério que incorpore as diversas dimensões que uma floresta de produção aporta à sociedade (económicas, sociais e ambientais) torna muito evidente que assim é.

Sim, uma floresta de produção é produtora de serviços de ecossistemas que a nossa sociedade supostamente valoriza. Ela é essencial para a proteção e conservação do solo (e mesmo para o fabrico desse solo!), para a regularização dos regimes hidrológicos (nomeadamente dos regimes torrenciais), para a preservação dos níveis de biodiversidade, para o sequestro de CO2 e para um conjunto vasto de outros valores que prezamos. Estes “serviços dos ecossistemas” devem, de facto, ser remunerados pela sociedade (através das políticas públicas adequadas), como complemento de rendimento para os seus proprietários, evitando-se assim as soluções de abandono para onde estão a ser empurradas.

Sim, uma floresta de produção, desde que instalada em local adequado e gerida de forma sustentável, é a única alternativa que muitas regiões do nosso território encontram. A sua exclusão ou o menosprezo a que tem sido votada rapidamente condenarão áreas crescentes do nosso país ao abandono, como, aliás, é hoje bem visível.

Termino com um lamento: que o país que somos, para afirmar alguns dos valores da floresta (que devem ser valorizados), tenha a necessidade de ostracizar e varrer do mapa a maior parte da área florestal que temos. Este não é, certamente, o caminho que transformará a nossa floresta.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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