Bruxelas mais pessimista que Medina prevê recessão para Portugal no arranque de 2023

Comissão Europeia confirma cenário de recessão na UE no último trimestre deste ano, mas ainda assim revê em alta o crescimento de 2022. Economia portuguesa deverá registar uma subida de 6,6% do PIB.

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Previsões da Comissão Europeia trazem más notícias para o ministro das Finanças EPA/OLIVIER HOSLET

O crescimento da economia portuguesa deverá manter-se acima da média da União Europeia e dos países da zona euro em 2023 e 2024, mas a diferença será muito ligeira, ao contrário do que acontece este ano, em que a subida prevista de 6,6% do PIB do país é significativamente superior aos 3,3% do conjunto dos 27.

A Comissão Europeia estima uma enorme desaceleração da actividade económica em Portugal e na UE no próximo ano, com as projecções a apontarem para um crescimento de 0,7% no país e de 0,3% no bloco europeu. O panorama geral melhora em 2024, com Portugal a registar um crescimento de 1,7%, um pouco acima do valor estimado para a zona euro, que é de 1,5%, e dos 1,6% da União Europeia.

O Orçamento do Estado para 2023 prevê um crescimento ligeiramente mais baixo, de 6,5%, este ano. E para 2023, Fernando Medina acredita numa progressão de 1,3%, quase o dobro do projectado agora pela Comissão Europeia. Já o FMI antecipa um cenário macroeconómico em que o crescimento do PIB português fica nos 6,2% este ano, mas alinha com Bruxelas na previsão de 0,7% em 2023.

Segundo explicou o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni, a diferença dos números da Comissão para as estimativas do Governo “tem que ver com uma despesa corrente moderadamente mais elevada, sobretudo por causa das transferências sociais e dos salários da função pública”.

Apesar de ter começado este ano com uma boa dinâmica económica, o impacto da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, da subida da inflação e dos constrangimentos no abastecimento energético provocou uma forte contracção na actividade económica da UE, a que nenhum país ficou imune.

“A economia está num ponto de viragem, e depois de um forte crescimento no arranque de 2022, o último trimestre do ano será de contracção. Temos alguns meses difíceis a nossa frente”, antecipou Paolo Gentiloni, na apresentação das previsões de Outono, nesta sexta-feira, em Bruxelas.

Bruxelas avisa que “a maior parte dos Estados-membros” enfrentará um quadro de recessão já nos próximos meses, mas por causa do efeito acumulado do crescimento nos primeiros trimestres, acabou por rever em alta a sua previsão de Verão, de 2,7% para 3,3% em 2022.

Em contrapartida, os números avançados no Verão para os próximos dois anos foram revistos em baixa: a projecção do crescimento de 1,5% da UE caiu para metade, tal como a estimativa para Portugal, que se previa poder crescer 1,9% no próximo ano.

De acordo com as previsões, o bloco europeu passará por uma recessão técnica, por causa da contracção económica no último trimestre de 2022 e no primeiro trimestre de 2023 — que ainda será marcado por dificuldades, com a inflação a manter-se elevada.

Na Alemanha, a evolução do PIB será mesmo negativa: menos 0,6%, o que atira a maior economia europeia para a recessão em 2023. No ano seguinte, a economia regressa ao crescimento de 1,4%. A França atravessará uma recessão técnica no início de 2023, mas deverá recuperar a tempo de fechar o ano com um registo positivo de 0,4%.

A Comissão também prevê uma recessão técnica em Portugal, que terá uma variação negativa de 0,1% do PIB tanto no último trimestre deste ano, como no primeiro trimestre de 2023. “Os últimos indicadores de curto prazo sugerem uma fraca perspectiva de crescimento para a segunda metade de 2022 e para o primeiro trimestre de 2023, uma vez que o ambiente de investimento continua a sofrer da incerteza global e a procura privada é limitada pelo preço elevado da energia”, diz o relatório.

Perante o quadro de desaceleração, o comissário da Economia apelou à implementação dos planos de Recuperação e Resiliência dos Estados-membros nas datas previstas. “Estes investimentos são mais importantes do que nunca”, considerou.

A expectativa é que a inflação atinja o pico no final deste ano e inicie uma trajectória descendente em 2023: os números divulgados nesta sexta-feira apontam para uma quebra dos 9,3%, este ano, para 7% no próximo ano, e 3% em 2024. A Comissão teve de refazer os cálculos anteriores, uma vez que a subida da inflação nos últimos meses ficou bastante acima das projecções.

“As revisões reflectem, sobretudo, preços significativamente mais elevados do gás e da electricidade, que exercem pressão sobre os preços da energia, bem como sobre a maioria dos bens e serviços”, observou Gentiloni.

Em Portugal, a inflação deverá cair dos 8,5% em 2022 para os 6,1% em 2023, e os 2,6% em 2024. Esse é o ano em que Bruxelas estima que a actividade económica voltará a ganhar “tracção”.

Mas mais uma vez, a Comissão alerta para o “grau excepcional de incerteza” e para os riscos, “todos eles de sinal negativo”, que definem a actual conjuntura económica. A expectativa é que as tensões geopolíticas não venham a normalizar-se antes do final do período das projecções (2024), o que quer dizer que o regime de sanções aplicadas à Rússia deverá manter-se e possivelmente agravar-se,

“O potencial para novas perturbações económicas está longe de estar esgotado”, disse Gentiloni, apontando os riscos no mercado do gás, com efeitos no abastecimento energético da UE, e também “novos choques nos mercados de matérias-primas”.

O comissário da Economia falou, entre outros, sobre o risco da seca na Península Ibérica, “que está directamente relacionado com os preços da energia e das matérias-primas”. “É um dos riscos que temos em determinados países, como, por exemplo, Portugal, onde já pudemos constatar problemas na produção hídrica”, disse.

“Uma inflação mais prolongada e potenciais ajustamentos desordenados nos mercados financeiros globais ao novo ambiente de taxas de juro elevadas também são factores de risco importantes”, considera a Comissão, que aponta para a necessidade de concertar os objectivos da política orçamental e monetária.

Tal como aconteceu durante a crise pandémica, as medidas de emergência assumidas pelos governos para ajudar os consumidores domésticos e industriais a enfrentar a crise energética estão a ter um impacto significativo nas contas públicas dos Estados-membros, assinalou o comissário da Economia.

No caso específico de Portugal, Gentiloni referiu a “factura” de medidas como “a redução da taxa sobre os combustíveis, os apoios pagos em Outubro a diferentes grupos da população, ou os subsídios para as empresas suportarem os custos relacionados com a subida dos preços do gás”.

“Trata-se de um pacote enorme, que segundo os nossos cálculos representa 2,1% do PIB. Tem um impacto [orçamental] substancial e será preciso ter atenção aos riscos”, avisou o comissário, lembrando que Bruxelas “apela sempre a que estas medidas sejam tão temporárias e tão direccionadas quanto possível”, o que “nem sempre é fácil”, admitiu.

A UE decidiu prolongar a vigência da cláusula de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento até ao final de 2023, e por isso nenhum país será “penalizado” por registar um défice orçamental acima da meta dos 3% do PIB — e como notou Gentiloni, são vários os casos. Apesar de as regras da disciplina orçamental estarem suspensas, o défice projectado para Portugal fica bastante abaixo do limite estabelecido nos tratados: 1,9% em 2022; 1,1% em 2023 e 0,8% em 2024.

Em relação à dívida pública, o comissário destacou um esforço generalizado de redução, com as estimativas a confirmarem uma tendência de consolidação orçamental. Portugal acompanhará essa tendência, com Bruxelas a projectar que a dívida pública atinja os 115,9% do PIB este ano, e desça para os 109,1% em 2023 e os 105,3% em 2024. O Governo fixou o objectivo de limitar o endividamento público a 100% do valor do PIB até 2026.

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