Petteri Taalas: Evitar o patamar de 1,5 graus Celsius será “muito difícil”

Secretário-geral da Organização Mundial de Meteorologia apresenta relatório do Estado do Clima Global 2022. Entre 2015 e 2022 viveram-se os oito anos mais quentes da Terra desde que há registo.

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Os glaciares dos Alpes suíços sofreram um degelo inédito este Verão DENIS BALIBOUSE/Reuters

Se nada for feito, o planeta está em direcção a um aumento de temperatura entre os 2,5 e três graus Celsius, avisou Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), numa conferência de imprensa no primeiro dia da Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27), iniciada este domingo em Sharm-el-Sheik, no Egipto. “Ainda temos tempo para fazer dobrar esta curva de emissões em direcção aos dois graus, mas fazê-la dobrar em direcção aos 1,5 graus vai ser extremamente desafiador”, admitiu o responsável, respondendo a uma pergunta de um jornalista.

A conferência de imprensa foi a propósito do lançamento do relatório provisório do Estado do Clima Global 2022 pela OMM, marcando a actualidade no contexto da COP27. Apesar de ainda não ter terminado, o documento recorda que o ano de 2022 ofereceu uma pletora de fenómenos extremos: a pior seca dos últimos 40 anos continua a afectar o corno de África; a Europa viveu uma seca inédita com recordes de temperatura no Verão, tal como a China; o Paquistão sofreu inundações desmesuradas na altura das monções; o furacão Ian devastou a Florida, nos Estados Unidos, em final de Setembro. Os fenómenos extremos vão reflectindo cada vez mais o que está a ocorrer ao nível do clima da Terra.

Em termos de parâmetros climáticos, este ano segue as tendências do passado recente. Estima-se que em 2022 a temperatura média da atmosfera junto à superfície seja de 1,15 graus superiores à média pré-industrial, avança o relatório, que contabiliza os dados apenas até Setembro (o documento final só será publicado em Abril de 2023).

Por isso, se não houver surpresas até ao fim de Dezembro, 2022 será o 5º ou o 6º ano mais quente desde que há registos da temperatura. Mais: de 2015 para cá, a Terra viveu os oito anos mais quentes. O valor de 2022 é atingido apesar de o planeta viver o terceiro ano consecutivo do fenómeno La Niña – quando as águas superficiais do oceano Pacífico estão mais frias do que o normal, provocando um arrefecimento generalizado do planeta. Por comparação, em 2011, quando La Niña também estava activa, a temperatura do planeta atingiu 0,87 graus acima da média pré-industrial. Portanto, entre estes dois fenómenos de La Niña, em 2011 e 2022, a temperatura global da Terra continuou a subir.

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Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Mundial de Meteorologia OMM

Objectivo vivo ou morto?

Esta tendência demonstra o impacto do aumento da concentração dos gases com efeito de estufa, como o dióxido de carbono (CO2) – responsável por 75% do aquecimento da Terra até agora –, o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O). Os três gases bateram novos recordes de concentração na atmosfera em 2022, de acordo com o relatório.

Em 2021 “vimos o maior aumento de concentração de metano desde 1983”, revelou ainda Petteri Taalas. As razões para este aumento ainda estão a ser investigadas. “Não estamos a ir na direcção certa”, avisou Taalas. “Quando tivermos o próximo El Niño, que aumenta as temperaturas oceânicas da região tropical do Pacífico [e que provoca anos especialmente quentes], deveremos atingir o alvo dos 1,5 graus, pelo menos temporariamente, e de uma forma mais permanente na próxima década”, avisa.

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A China também atravessou uma seca duradoura durante o último Verão Thomas Peter/Reuters

Os 1,5 graus é um patamar simbólico na luta contra as alterações climáticas. A partir deste valor as consequências para as populações e para os ecossistemas agravam-se. Na COP26, que decorreu em 2021 em Glasgow, evitar esse patamar era um objectivo claro através do corte das emissões de gases com efeito de estufa. Para isso, seria necessária uma redução de 50% já em 2030 e a neutralidade carbónica em 2050. Se isso for alcançado, então o que os cientistas esperam é que o aumento de temperatura do planeta ultrapasse durante uns anos os 1,5 graus e depois volte a ficar abaixo desse patamar.

Mas, desde então, os compromissos que os países têm assegurado sobre o corte das suas emissões estão longe desse objectivo. Não é de estranhar, por isso, que a única pergunta feita por um dos jornalistas na plateia tenha sido sobre esta questão. “Pode explicar como é que o objectivo dos 1,5 graus está vivo e morto ao mesmo tempo?”

O cenário é cinzento. “É muito difícil ficarmos nos 1,5 graus, para ser honesto”, admitiu o secretário-geral da OMM, explicando que países com emissões de carbono importantes como a China e a Índia só se comprometeram a atingir a neutralidade carbónica em 2060 e 2070. “Neste momento, estamos a ir em direcção aos 2,5 a três graus de aquecimento. Ainda temos tempo para fazer dobrar esta curva de emissões em direcção aos dois graus, mas fazê-la dobrar em direcção aos 1,5 graus vai ser extremamente desafiador.”

Glaciares perdidos

Um dos efeitos prolongados do aquecimento global será observado no mar. “Os estudos mais recentes feitos pela NASA dizem que há o risco do aumento de vários metros do nível médio do mar até 2300. Esta é uma das más notícias que tenho para dizer”, avisou Petteri Taalas.

A aceleração dessa subida já está a acontecer, mostra o relatório da OMM. Recentemente, “vimos um aumento do nível médio do mar de 4,4 milímetros por ano, enquanto há 20 anos era de dois milímetros por ano”, explicou o secretário-geral. Se, antes, a subida era explicada maioritariamente pela dilatação do oceano causa pelo aumento da temperatura das águas, o derretimento dos glaciares está agora a ter um papel cada vez maior nessa subida.

“Infelizmente, já perdemos o jogo em relação ao derretimento dos glaciares”, admitiu o responsável. Este Verão, a diminuição dos glaciares alpinos na Suíça foi um testemunho da velocidade daquele processo. O volume do gelo diminui de 77 para 43 quilómetros cúbicos, entre 2021 para 2022. “Pela primeira vez na história, nenhuma neve sobreviveu à temporada de Verão [de 2022], mesmo nos pontos mais altos”, adianta o comunicado da OMM divulgado com o novo relatório.

Esta diminuição do volume dos glaciares terá um efeito negativo no caudal dos rios europeus, avisa o secretário-geral. Assim como os fenómenos de calor extremo, seca e chuva extremas estão conectados com o clima do Árctico. “Uma das razões por trás destes padrões climáticos fora do comum é o aquecimento do Árctico, que está a ter um impacto no Hemisfério Norte”, explica Petteri Taalas.

Sistemas de alerta

O relatório também traduziu o efeito destes fenómenos na vida das pessoas. A seca no corno de África fez com que entre 18,2 e 19,3 milhões de pessoas enfrentassem uma crise de alimentação, adianta o documento. Por sua vez, as inundações no Paquistão mataram 1700 pessoas e produziram 7,9 milhões de deslocados.

No início da conferência, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, falou num vídeo previamente gravado sobre as calamidades vividas em tantos lugares do planeta. “As mudanças estão a acontecer a uma velocidade catastrófica – devastando vidas e modos de vida em todos os continentes”, disse. “As pessoas e as comunidades em todos os lugares têm de ser protegidas dos riscos imediatos e crescentes da emergência climática. É por isso que estamos a exercer tanta pressão para sistemas universais de alerta precoce dentro de cinco anos.”

A criação dos sistemas universais de alerta tinha sido anunciada em Março último. Agora, Guterres irá apresentar na COP27 o plano de acção para os próximos cinco anos.

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