Seca extrema deixa milhões de crianças em risco no continente africano

Falta de água junta-se a doenças como a cólera e a diarreia e ameaça a vida de milhões de pessoas em África, sobretudo crianças com menos de cinco anos. Por todo o mundo, as crianças são das que mais sentirão os efeitos das alterações climáticas.

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A seca na Etiópia fez com que a água faltasse nos poços e que algum gado morresse e as plantações secassem. Eshe Omer (na imagem à esquerda) está preocupada com os seus filhos Mulugaeta Ayene/Unicef

O número de pessoas afectadas pela seca em África continua a aumentar: passou de 9,5 milhões em Fevereiro para 16,2 milhões de pessoas sem acesso fiável a água potável em Julho, segundo um relatório divulgado esta segunda-feira pela Unicef, com dados relativos à Etiópia, Quénia e Somália. “As crianças no Corno de África e no Sahel poderão morrer em número muito elevado, caso não seja prestada assistência urgente”, lê-se no comunicado da Unicef, divulgado nesta Semana Mundial da Água.

Nestes locais mais afectados pela escassez de água, há um maior risco de se contraírem doenças transmitidas pela água, como a cólera ou a diarreia. Os efeitos já estão a ser contabilizados: na Somália, foi registado o dobro de casos de diarreia aguda e de cólera (num total de 8200 casos entre Janeiro e Junho) do que no mesmo período do ano passado.

Segundo a Unicef, quase dois terços das pessoas afectadas são crianças com menos de cinco anos. “Quando a água não está disponível ou não é segura, os riscos para as crianças multiplicam-se exponencialmente”, explicou a directora-executiva da Unicef, Catherine Russell, citada no mesmo comunicado. “No Corno de África e no Sahel, milhões de crianças estão apenas a uma doença de distância de uma catástrofe.”

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Somália Omid Fazel/Unicef

Além das doenças, há a fome e a sede. “Imagine ter de escolher entre comprar pão ou comprar água para uma criança faminta e sedenta que já está doente, ou entre ver a sua criança sofrer de sede extrema ou deixá-la beber água contaminada que pode causar doenças fatais”, disse ainda Catherine Russell.

A Unicef explica que a maior parte das pessoas que vive no Corno de África depende da água distribuída por vendedores em camiões ou carroças e que, nas zonas mais afectadas pela seca, muitas famílias já não têm acesso a água. Além disso, o custo da água tem vindo a aumentar nos últimos meses. Nos últimos 20 anos, também a disponibilidade de água no Sahel diminuiu mais de 40% devido às alterações climáticas e a conflitos, nota a organização.

Os alertas para esta situação foram sendo dados. Um relatório divulgado em Maio deste ano pela Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que cerca de dois mil milhões de pessoas não têm acesso seguro a água. A água que não é própria para consumo, assim como más condições de saneamento e higiene levaram à morte de 870 mil pessoas em 2016, lê-se ainda no documento – e a maior parte destas mortes aconteceu no continente africano. A mortalidade causada pela falta de acesso a água e saneamento é de 45,9 por cada 100 mil mortes em África, o que é 150 vezes mais elevada do que a mortalidade pelos mesmos motivos na Europa: 0,3 mortes por cada 100 mil pessoas.

Crianças mais afectadas

Segundo a Unicef, existem actualmente 40 milhões de crianças numa situação de “vulnerabilidade hídrica” no Burkina Faso, Chade, Mali, Níger e Nigéria, por causa da seca, mas também pelos conflitos na região. Quase três milhões de crianças sofrem de subnutrição aguda grave no Corno de África e no Sahel, “o que significa que correm até 11 vezes mais risco de morte por doenças transmitidas pela água do que as crianças bem nutridas”.

As crianças são também das que mais sentirão na pele os efeitos das alterações climáticas. Um estudo publicado na revista Science em Setembro de 2021 mostra que as gerações mais novas serão as mais afectadas pelas alterações climáticas e que as crianças de hoje deverão enfrentar três vezes mais desastres climáticos do que a geração dos seus avós. Nesses desastres incluem-se a seca, ondas de calor, incêndios florestais, tempestades e cheias. Estes fenómenos deverão tornar-se não só mais frequentes, mas também mais intensos.

Por agora, são já várias as regiões de África que enfrentam situações graves de escassez de água, baixos níveis de precipitação e seca. A seca está também a afectar a Europa, incluindo Portugal: no fim de Julho, 55,2 % do território de Portugal continental estava em seca severa e 44,8 % em seca extrema, o nível mais grave, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA).

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