A temperatura no Reino Unido passou pela primeira vez dos 40 graus

A onda de calor pela qual está a passar o Reino Unido levou ao lançamento de aviso vermelho para a maior parte do país. O recorde de temperatura já tinha sido batido pela primeira vez esta manhã.

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Pessoas tentam refrescar-se numa fonte na Praça de Trafalgar, em Londres EPA/NEIL HALL

Pela primeira vez no Reino Unido foram registadas temperaturas acima dos 40 graus Celsius: 40,2 graus, em Heathrow (Londres), às 12h50, e 40,3 em Conigsby, no Linconlshire (Oeste de Inglaterra), a meio da tarde, anunciou o Met Office (o instituto de meteorologia britânico).

Os recordes já tinham sido batidos pela primeira vez esta manhã, quando os termómetros marcaram 39,1 graus em Charlwood, na região de Surrey, no Sul de Inglaterra, tinha anunciado no Twitter o Met Office. A temperatura mais elevada registada no Reino Unido até esta terça-feira tinha sido registada nos Jardins Botânicos da Universidade de Cambridge, em 2019: 38,7 graus.

A onda de calor pela qual está a passar o Reino Unido levou a colocar a maior parte da Inglaterra em alerta vermelho (o Centro, Norte e Sudeste do país). Há avisos por causa do calor noutros países mais a Norte na Europa, como França e Bélgica, enquanto o Norte de Espanha chegou aos 43 graus na segunda-feira.

É na parte oriental de França que a onda de calor está mais abrasadora, com previsão de a temperatura poder rondar os 40 graus. Na fachada atlântica do país, onde foram batidos dezenas de recordes de temperatura locais na segunda-feira, o calor abrandou, graças “à entrada de uma massa de ar oceânico mais fresca”, como diz o boletim da Météo France. Mas o incêndio da região da Gironda, que inclui Bordéus, continua a devorar terreno, e é apenas um dos cinco grandes fogos florestais que estão a arder em França neste momento.

A empresa dos transportes urbanos de Paris cidade que deve chegar nesta terça-feira aos 41 graus reduziu a velocidade dos comboios em algumas linhas ao ar livre, por motivos de segurança. Previa-se que em alguns troços, a temperatura nas vias atingisse 57 graus, diz o Le Monde. O RER não circula a mais de 60 quilómetros por hora, quando normalmente anda a 100, e o metro anda a 30/40 quilómetros por hora, quando em situação normal se desloca a 60.

Na Bélgica, foi já batido o recorde de temperatura: em Uccle foram registados 38,1 graus, segundo o Instituto Meteorológico Real. O recorde anterior, de 36,4, foi atingido ao início da tarde no mesmo local. Antes disso, o valor mais alto era de 36,2 e datava de 2006, diz o jornal La Libre Belgique. Mas as previsões são de que em alguns locais, por exemplo na região da Flandres, os termómetros possam chegar aos 40 graus.

Os recordes de temperatura no Reino Unido registaram-se depois de ter passado pela noite mais quente de que há registo, na madrugada de segunda para terça-feira: as temperaturas não desceram abaixo de 25 graus, diz BBC. Emley Moor, no Oeste do Yorkshire, foi o local mais quente, com 25,9 graus, segundo o Met Office. Até agora, a noite mais quente tinha acontecido em Brighton, a 3 de Agosto de 1990, com 23,9 graus.

O calor provocou cortes de electricidade em vastas regiões do Yorkshire (Norte de Inglaterra) e Lincolnshire (Leste), noticia a BBC.

Desde o fim-de-semana, o Reino Unido está sob influência de um fluxo de ar vindo de sul que levou para países mais a norte as altas temperaturas que estavam a ocorrer no continente europeu, nomeadamente em Portugal, explicava o Met Office, na semana passada, quando lançou o aviso vermelho para a onda de calor.

"Mostra-nos que o clima mudou"

A multiplicação da frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como as ondas de calor, é consequência das alterações climáticas, dizem os cientistas. “Bem, nunca pensei ver isto acontecer na minha carreira, mas a temperatura acabou de passar dos 40 graus no Reino Unido pela primeira vez”, disse o cientista do Met Office Stephen Belcher, num comentário em vídeo disponibilizado no Twitter. “É algo que nos mostra que o clima mudou e vai continuar a mudar. Investigação feita aqui no Met Office concluiu que seria impossível para o Reino Unido atingir 40 graus se o clima não tivesse sofrido perturbações. Mas as alterações climáticas provocadas pelas emissões de gases com efeito de estufa tornaram isto possível”, afirmou.

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Incêndio numa floresta perto de Louchats, a cerca de 35 kms de Landiras, na região de Gironda, no Sudoeste de França EPA/PHILIPPE LOPEZ

“Se continuarmos com um cenário de emissões de gases com efeito de estufa elevadas, é possível que vejamos ondas de calor como estas a cada três anos”, frisou Stephen Belcher.

Várias organizações de defesa do ambiente estão a reagir a este recorde de temperatura no Reino Unido alertando os candidatos à liderança do Partido Conservador – e, consequentemente, o próximo primeiro-ministro – de que é preciso dar prioridade à luta contra as alterações climáticas. E sublinham que esse tema tem estado muito lá para baixo nos temas em discussão entre os candidatos a líderes dos conservadores. “É claro para todos que é preciso agir de forma urgente para reduzir as emissões, mas os quatro candidatos tory têm mantido um silêncio notável sobre o tema”, comentou Rebecca Newsom, da Greenpeace, citada pelo jornal Guardian.

"Espero que este tipo de acontecimentos tenha um impacto sobre os comportamentos dos eleitores nos países democráticos”, disse o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, Petteri Taalas, numa conferência de imprensa em que apelou aos líderes políticos que “tenham consciência” que as vagas de calor como a que a Europa está a atravessar se vão tornar mais frequentes.

Ed Miliband, ministro-sombra trabalhista para as alterações climáticas, disse que os candidatos conservadores “estão a fugir” dos compromissos com a neutralidade carbónica e parecem estar a “recuar” nos compromissos legais que assumiram.

“O actual primeiro-ministro [Boris Johnson] tem ignorado os repetidos apelos para que seja criada uma estratégia nacional de risco para o calor, que envolveria todos os departamentos do Governo relevantes para nos prepararmos para enfrentar a ameaça crescente das ondas de calor”, afirmou ao mesmo diário Bob Ward, director de políticas e comunicação do Instituto Grantham da London School of Economics. ​

“Já é tempo de o Reino Unido deixar de se considerar como um país frio, onde qualquer bocadinho de sol de Verão é celebrado como uma oportunidade para ir à praia e comer gelados. As ondas de calor são eventos meteorológicos extremos que matam e que vão tornar-se piores pelo menos durante os próximos 30 anos. Temos de nos adaptar e protegermo-nos melhor, em particular os que são mais vulneráveis ao tempo quente”, acrescentou Bob Ward.

A falta de adaptação reflecte-se, por exemplo, nas pistas de aeroporto que começaram a deformar-se por causa do calor, como aconteceu no aeroporto de Luton na segunda-feira, e nas supressões de vários serviços ferroviários por receio de que o calor e a passagem do comboio fizesse dilatar a via-férrea e resultar em acidentes. “A especificação tem sido [para resistir] a temperaturas de dez graus negativos e até 35 graus, e agora estamos a sofrer com 40 graus e até mais. Quando a temperatura ambiente é de 40 graus, a via pode chegar a 50, 60, 70 graus, e há um forte risco de sofrer dilatação e de poderem ocorrer terríveis descarrilamentos”, disse à BBC o ministro dos Transportes, Grant Schapps.

“É bastante claro que temos de alterar a especificação”, reconheceu Schapps. Mas isso não pode acontecer de forma rápida. “Mesmo com a melhor boa vontade mundo, isto é uma infra-estrutura que levou décadas a construir. Algumas das nossas vias-férreas têm dois séculos”, afirmou o ministro.

Alguns supermercados britânicos divulgaram números de vendas de produtos relacionados com a onda de calor, que mostram a subida a pique da procura de ventoinhas e aparelhos de ar concionado (uma subida de 709% em relação a igual período do ano passado). A procura pelas piscinas insufláveis do Asda tiveram uma subida de 1000%, diz o Guardian. O Morrisons teve na semana passada a melhor semana de venda de gelados nos últimos cinco anos, e a procura de sacos de gelo aumentou 50%.

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