Portugal está mal nas emissões de CO2 nos transportes, habitação e florestas

Os passes não desincentivaram o uso do carro individual, as casas não têm eficiência energética. Mas o fecho das centrais a carvão em 2021 deve reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.

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"Os transportes neste momento são o sector que tem maior peso, 28%, nos últimos inventários de emissão", diz Francisco Ferreira Diego Nery

Como está Portugal a cumprir as suas metas de redução das emissões de gases com efeito de estufa, agora que começa a Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27), no Egipto? Há pontos positivos, como terem encerrado as centrais a Carvão de Sines e do Pego. “Tínhamos previsto que deixaríamos de ter carvão em 2030, e deixámos de ter em 2021. Isso é um marco absolutamente crucial”, salienta Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero. Mas há pontos negros que não nos deixam dormir: nos transportes, na habitação e nas florestas que deixamos arder.

Portugal tem a ambição de reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) em 55% até 2030, acompanhando o objectivo da União Europeia para lutar contra o aquecimento global. Além disso, Portugal vai tentar antecipar metas, como tentar que 80% da energia produzida seja de fontes renováveis já a partir de 2026 e não 2030. “Em termos de emissões atingimos o pico em 2005, e depois foi um bocado a crise económica e o investimento nas renováveis que felizmente nos tem levado a reduzir bastante as emissões. E temos tomado iniciativas que não são só políticas, como o encerramento das centrais térmicas a carvão, que nos levam a ter um progresso significativo”, adianta Francisco Ferreira, que também integra o Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente (DCEA) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (UNL).

Acompanhe a COP27 no Azul

A Cimeira do Clima das Nações Unidas é o ponto mais alto da diplomacia em torno das alterações climáticas, onde os países discutem como travar as emissões de gases com efeito de estufa que causam o aquecimento global. Este ano é no Egipto, de 6 a 18 de Novembro. Acompanhe aqui a Cimeira do Clima. 

Mas é possível ir mais longe, diz. “O Governo traça uma redução de 55% nas nossas emissões entre 2005 e 2030. Nós achamos que é possível chegar aos 65% de redução. E idealmente conseguimos a neutralidade climática em 2045, ou até mesmo em 2040. Mas temos fragilidades muito grandes, a maior até na floresta”, diz o dirigente da Zero.

“Normalmente, as florestas funcionam como um sumidouro de carbono, tiram CO2 da atmosfera. Mas em anos com incêndios florestais significativos, as florestas passam a funcionar como fonte emissora”, explica Júlia Seixas, do DCEA da UNL.

“A neutralidade climática atinge-se no balanço entre emissões e sumidouros de carbono, e o principal problema é que não temos uma floresta resiliente. Viu-se em 2022, este Verão, e viu-se em 2017, há cinco Verões. Isto é dramático, porque assim não atingiremos a neutralidade climática”, destaca Francisco Ferreira.

“As florestas podem ser emissoras, tal como uma central térmica. Isso aconteceu em 2017, por exemplo, quando houve grandes incêndios. Até costumo dizer que devíamos olhar para o investimento na gestão florestal como olhamos para as [energias] renováveis – porque, se reduzirmos muito as emissões mas deixarmos a floresta pouco acautelada, o que ganhamos por um lado vamos perder pelo outro”, salienta Júlia Seixas.

“Precisamos que todos os anos sejam retiradas 11 a 13 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente da atmosfera através da floresta. Ora, se nós temos uma floresta que arde, que tem uma gestão em muitos casos discutível, porque utilizamos parte da floresta, madeira de qualidade, para queimar, em vez de utilizarmos apenas os resíduos...”, enumera o dirigente da Zero.

Transportes que convençam

Há outros pontos negros que não nos deixam dormir. “Aquilo que é o fundamental, a eficiência energética em todos os sectores, em particular no sector dos transportes, uma melhoria da qualidade do serviço dos transportes públicos, a melhoria da eficiência dos edifícios e dos equipamentos, isso devia ser apoiado a sério e nunca foi. Teve sempre apoios muito insuficientes, muito marginais. As melhorias que houve nesse sector foram sempre marginais, mais devidas à evolução tecnológica”, comenta João Joanaz de Melo, também do DCEA e membro fundador do Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA).

“Os transportes neste momento são o sector que tem maior peso, 28%, nos últimos inventários de emissão”, explica Francisco Ferreira. “Inclusivamente estamos com vendas de gasóleo e de gasolina superiores ao período pré-pandemia. É um mau sinal”, sublinha. Isto acontece, apesar de iniciativas para promover o uso de transportes públicos, como os novos passes nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

“No sector dos transportes, que é um dos mais críticos, a grande aposta tem de ser na qualidade do serviço. E o que temos visto são projectos de fachada, pura e simplesmente”, acusa João Joanaz de Melo. “Houve uma série de fiascos. O mais recente é o da Carris Metropolitana: quando começou a funcionar, a oferta de serviço nalgumas zonas, por exemplo aqui na Área Metropolitana de Lisboa, diminuiu 40% – ou seja, as carreiras efectivas, o número de lugares oferecidos por quilómetro diminuiu brutalmente”, explica.

“Temos uma taxa de utilização dos transportes de passageiros em carro individual que é uma das mais altas de toda a Europa, 88%. E não somos um dos países mais ricos. Não é um factor de riqueza, é um factor de subdesenvolvimento. A média europeia é 80%, mas nas áreas metropolitanas é muito melhor do que as nossas”, afirma Joanaz de Melo. “Se formos comparar com Madrid, Barcelona, Bruxelas, Paris, temos taxas de utilização do transporte público que são uma vez e meia, duas vezes mais do que as que temos aqui em Lisboa”, exemplifica.

Júlia Seixas salienta a necessidade de substituir as frotas de transportes públicos rodoviários por frotas eléctricas. “Estamos a fazer um caminho de substituição, mas não de forma muito acelerada”, diz. “Precisamos de desenhar uma política coerente que atravesse Portugal inteiro em matéria de transportes públicos, sobretudo nas áreas urbanas, porque não há grandes conectividades. Na malha urbana de Lisboa, aí até tem, mas se, por acaso, viver, sei lá, noutros sítios, na Charneca da Caparica, se calhar já lhe fica muito mais complicado”, conclui.

“Estamos a financiar o passe, que é fundamental, vamos ter o Plano Ferroviário Nacional, temos investimentos em novas carruagens, novas composições de passageiros, estamos a ter um conjunto muito grande de apoios e a quantidade de gasóleo e gasolina não pára de aumentar. Temos de perceber porquê, e temos claramente de desincentivar o carro e arranjar modelos em que as pessoas consigam assegurar a sua mobilidade com menos emissões”, alerta Francisco Ferreira. “E este é um sector superprioritário.”

Falta de atenção às nossas casas

Outro sector em que Portugal está a falhar no esforço de redução de emissões tem que ver com a habitação. “Para reduzirmos emissões, podemos fazer essencialmente duas coisas: na área de energia, ou substituímos a electricidade com base em combustíveis fósseis por renováveis ou/e se reduz também o consumo de energia. Estamos a falar da eficiência energética. E na área dos edifícios há muita coisa por fazer”, afirma Júlia Seixas.

“Não estamos a garantir conforto térmico das pessoas nas suas casas, e estamos a desperdiçar imensa energia. Temos aquecedores a óleo no Inverno, as pessoas sofrem com o calor no Verão. Temos mais de 3000 horas de sol, mas a água quente solar ainda tem um uso muito limitado em Portugal”, salienta Francisco Ferreira.

“No Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) agora em vigor, sempre que há um novo edificado, as exigências em matéria de eficiência energética são bastante altas. Mas temos um parque edificado habitacional gigante com um défice brutal de melhorias na área da eficiência energética”, diz Júlia Seixas. “Considero que aquilo que é contemplado no PRR é pouquíssimo para aquilo que deveria ser o investimento. Esse deveria ser de facto o investimento para esta década, até 2030. Um programa que fosse direccionado precisamente para a eficiência energética dos edifícios, por exemplo, na componente da melhoria dos isolamentos e das janelas de vidro duplo”, explica.

Em toda a Europa foram dados benefícios fiscais para as famílias investirem na melhoria das suas próprias casas. Isso funciona para as famílias de classe média, não funciona para as famílias mais vulneráveis, mais pobres. Aí tem de haver programas a sério de combate à pobreza em geral e energética em particular, que não há”, sublinha Joanaz de Melo.

O programa de energia solar desenvolvido pelo Governo dá prioridade às grandes centrais, diz Joanaz de Melo. “Centralizadas, megaprojectos. Isso é uma asneira, porque tem muito mais conflitos e continua a manter a produção de energia como um domínio apenas das grandes empresas. Seria muito mais interessante mobilizar toda a sociedade, as empresas, as famílias, no âmbito do que é a doutrina europeia, todos nós devíamos ser também produtores de energia”, afirma.

O sinal positivo que fica é o encerramento precoce das centrais de Sines e do Pego. “Com o fecho das centrais térmicas a carvão, Portugal deve ser talvez dos países da União Europeia com a maior redução das emissões”, sublinha Júlia Seixas. “Ainda não temos resultados disso, porque a publicação oficial destes valores demora dois anos a sair, mas com esta decisão das empresas detentoras da central de Sines e da Central do Pego, a carvão, de as fecharem, vamos cair muitíssimo nas emissões. Nesse aspecto, acho que Portugal está a fazer o caminho que tem de fazer”, diz.

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