Governo entregou ao Ministério Público auditoria da TAP à anterior gestão

Ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, afirmou esta manhã no Parlamento que a actual administração suspeita de que a empresa pagou mais caro por aviões do que a concorrência. PGR diz que a participação e “a documentação que a acompanhava” foram remetidas ao DCIAP.

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Pedro Nuno Santos foi chamado ao Parlamento para falar da privatização da TAP LUSA/ANTÓNIO PEDRO SANTOS

O ministro das Infra-estruturas, Pedro Nuno Santos, afirmou esta manhã no Parlamento que foi entregue uma auditoria feita à TAP, a pedido da actual administração, e que a mesma já foi remetida para o Ministério Público (MP) devido às “dúvidas” que suscitou.

A actual gestão, afirmou o ministro, liderada por Christine Ourmières-Widener (escolhida por Pedro Nuno Santos), suspeitou de que a TAP estaria a pagar pelos novos aviões “mais do que os concorrentes”. Isso, explicou, levou à elaboração da auditoria agora nas mãos do MP.

“A administração pediu a auditoria, essa auditoria foi concluída, entregue ao Governo e nós, perante dúvidas perante as conclusões daquela auditoria, encaminhámos a auditoria para o Ministério Público”, afirmou. Contactada pelo PÚBLICO, fonte oficial da Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou a recepção de uma participação “apresentada pelo ministro das Infra-estruturas e da Habitação e pelo ministro das Finanças”, Fernando Medina. “A mesma, e bem assim a documentação que a acompanhava”, foi remetida ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) “para análise”, adiantou a mesma fonte.

A referência ao processo de compra de aviões remete para o período em que a gestão estava nas mãos dos accionistas privados David Neeleman e Humberto Pedrosa, que apostaram na renovação da frota, tendo o cargo de presidente executivo sido ocupado primeiro por Fernando Pinto e depois por Antonoaldo Neves (ex-presidente da brasileira Azul, fundada por Neeleman).

O anúncio do ministro foi feito na sua intervenção inicial na audição na Assembleia da República, por requerimento do PCP e do Chega, sobre a privatização da TAP. Depois da intervenção de Pedro Nuno Santos, houve três perguntas dos partidos. A primeira veio do Chega, seguindo-se o PCP e o PSD. Porém, nenhuma delas, destacaria o socialista Carlos Pereira, incluía perguntas ao ministro sobre as dúvidas que a auditoria levantou.

Mais à frente na audição, e na sequência de Paulo Rios de Oliveira, PSD, o ministro afirmou: “O senhor deputado disse aqui uma coisa que eu não queria que fosse en passant, porque ainda vai dar muito debate… Disse que o accionista privado injectou 224 milhões [valor das prestações acessórias] na empresa, o que os senhores não explicaram ainda é se houve efectivamente uma capitalização ou um endividamento maior do que esta capitalização”.

Defendendo que o PSD, enquanto partido no Governo, fez uma “gestão desastrosa” do dossier TAP, Pedro Nuno Santos referiu que foi prometida “uma capitalização”, mas esta acção “não se traduziu em capitalização nenhuma da empresa, antes pelo contrário, [mas sim] em endividamento e em dificuldades que nós estamos hoje a ter de pagar, aparentemente, para não ser mais taxativo, a pagar mais pelos aviões do que estão a pagar os nossos concorrentes”.

Só em 2019 (antes da intervenção do Estado na estrutura do capital, que ocorreu após a pandemia em 2020), de acordo com o relatório e contas da TAP, foram investidos 1500 milhões de euros na renovação da frota, com 30 novas aeronaves, incluindo os A330neo e os A321LR, da Airbus.

Os dois anteriores accionistas da TAP, David Neeleman e Humberto Pedrosa, ganharam a privatização em 2015, pagando 10 milhões por 61% do capital - operação depois revertida parcialmente pelo PS, passando os privados para 45% - e aplicando depois 224 milhões de euros na companhia através de prestações acessórias (dinheiro colocado na empresa mas que não entra no capital social). Quando David Neeleman saiu da empresa, em 2020, em confronto com o ministro Pedro Nuno Santos, levou consigo 55 milhões de euros, tendo o Estado ficado com esse valor de prestações acessórias.

Quanto a Humberto Pedrosa, o empresário passou em Dezembro do ano passado os seus 22,5% da TAP SGPS para a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), e é no nome da sua holding pessoal, a HPGB, que estão 169 milhões de euros de prestações acessórias. Estes 169 milhões, a par dos 55 milhões do Estado, vão ser convertidos em capital na sequência da assembleia geral convocada para o dia 11 de Novembro, e usados depois para cobertura parcial de prejuízos, numa operação que dará 100% do capital da holding ao Estado (tal como já sucede com a TAP SA).

O PÚBLICO enviou questões à TAP, nomeadamente para saber quando é que se decidiu a realização da referida auditoria, porquê, e quem é que a elaborou, mas fonte oficial afirmou que a empresa não comentava este assunto. Foram também enviadas perguntas ao Ministério das Infra-estruturas, às quais se aguarda respostas.

Ministro diz que não houve “cambalhotas”

Nas suas sucessivas respostas, Pedro Nuno Santos insistiu na argumentação que tinha já trazido ao Parlamento na semana passada, na audição requerida pelo PSD sobre o mesmo tema. O governante reiterou que não houve “cambalhotas” e que “a única coisa que foi sempre assumida foi a de que nós entendíamos que a TAP é uma companhia aérea num sector altamente consolidado e não deve ficar sozinha. A melhor forma de garantir viabilidade a médio e longo prazo é estar integrada num grande grupo de aviação”, repetiu o governante.

Quanto ao actual processo de privatização, Pedro Nuno Santos insistiu que não podia dar uma resposta “que não existe para dar”. “Não tenho nada para vos dizer sobre um processo que não se iniciou. Não há nenhuma novidade”, disse. “O ‘como’, o ‘modo’ e o ‘quanto’ ainda não está decidido”, vincou.

Na sua intervenção, o deputado Paulo Rios de Oliveira, do PSD, acusou o Governo de não ter dito aos contribuintes que os 3200 milhões de euros eram “a fundo perdido” e de os ter enganado. Em resposta às acusações do PSD sobre o Governo ter “enganado” os portugueses, Pedro Nuno Santos disse que já tinha sido aprovada a injecção de 3200 milhões de euros quando em Janeiro houve eleições.

“Quando fomos a eleições, a TAP já tinha sido intervencionada. Fomos a eleições e ganhámos no país e ganhámos no distrito de Aveiro”, onde foi cabeça de lista. Mas o “aparte” não satisfez o PS, que na voz de Pedro Coimbra voltou a perguntar aos sociais-democratas o que teriam feito em 2020, quando a pandemia atirou a companhia aérea para risco de encerramento.

Pedro Nuno Santos voltou a acusar o PSD de não ter propostas e de ser um partido de protesto. As acusações geraram burburinho no auditório e seria da plateia que chegaria a resposta mais concreta: “Não nacionalizava.” A resposta foi recebida com surpresa pelo governante, que voltou a perguntar o que seria feito de diferente.

Na sua intervenção, o deputado do Chega Filipe Melo afirmou que “o Chega sempre defendeu a salvação da TAP” e que nunca disse que é uma vergonha a injecção de capital. Pedro Nuno Santos notaria a sintonia entre o PS e o Chega e Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal, sublinhou o “piscar do olho” e “clima de romance”, trazendo o título de um livro de Miguel Esteves Cardoso: “O amor é lixado”, disse. Mas o ministro desafiou-o a dizer o verdadeiro título. “O amor é f…..”, lá corrigiu, dizendo que o Chega “ultrapassou o PS pela esquerda” ao defender que a TAP deve ser pública.

Pelo Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua apontou a “muita forma e pouca substância” e quis saber por que razão não são levantados os cortes aos trabalhadores (25% acima dos 1410 euros) se a empresa teve resultados positivos operacionais antes do tempo e perguntou também ao PSD o que faria. “Deixava cair ou injectava dinheiro? Tinha uma alternativa?”, quis saber. Em resposta a Mortágua, Pedro Nuno Santos notaria uma “ausência” na intervenção da deputada bloquista: não reconhecer que “se a TAP está a operar é graças ao Governo do PS”. Quanto aos cortes - tema levantado também pela deputada comunista Paula Santos -, Pedro Nuno Santos disse que é preciso que a empresa consolide os seus resultados. O governante disse ainda que a “recuperação mais rápida” do que o previsto permite que a TAP esteja novamente a contratar.

A audição arrancou com uma divergência, com o socialista Carlos Pereira a contestar a grelha de tempos para a segunda parte da audição ao ministro. “Estou disponível para vir cá falar as vezes que quiserem porque as audições não nos têm corrido mal”, concluiu o governante.

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