Há castas croatas plantadas em Alenquer e castas portuguesas a crescer com vista para o Adriático

Era uma vez um investigador português que estava preocupado com a sobrevivência da casta Vital. Em tese desenvolveria esforços para a plantar cá, mas teve outra ideia: mandá-la para a Croácia. Esquisito? Siga a história.

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Uma das castas croatas plantadas em Alenquer Miguel Madeira

Ora, como tínhamos prometido num artigo publicado no Terroir sobre a casta Vital (Beber vinhos de Vital faz bem ao gosto e à biodiversidade), vamos lá explicar por que razão alguém se lembrou de plantar no concelho de Alenquer seis castas croatas e, em simultâneo, enviar para a Croácia outras tantas variedades portuguesas.

Eiras Dias é uma referência da ampelografia em Portugal. Como investigador do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), representou o país em fóruns internacionais para a defesa e promoção da biodiversidade da videira. De fórum em fórum fez amizade com camaradas de ofício, entre eles o professor Edi Maletic, da Universidade de Zagreb, em parte porque ambos têm paixão pelas chamadas castas minoritárias – castas que foram abandonadas porque a globalização e a agricultura científica só se interessam por produtividades e padronizações (se o mundo gosta de Chardonnay ou Cabernet Sauvigon, pois até no Alasca se plantam essas castas).

Entre as castas portuguesas que corriam o risco de desaparecer estava a difícil Vital, que é património da região de Lisboa, em particular dos arredores de Serra de Montejunto. Hoje, já há viticultores a instalar Vital, mas há meia dúzia de anos o cenário apontava para a extinção da variedade. E foi então que a Eiras Dias ficou com duas perguntas no juízo: “Que outra região europeia teria condições edafoclimáticas próximas das nossas e onde, em consequência, pudéssemos instalar a Vital para ver o que dava? E quem é que eu conheço que alinharia nesta aventura?” Para a primeira pergunta saiu uma região montanhosa e calcária da Croácia e para a segunda o professor Maletic.

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Vindima de castas croatas, Alenquer Miguel Madeira

Agora, entre a ideia e a operacionalização da mesma havia que meter mais gente e instituições ao barulho. E foi assim que entrou em cena a Câmara Municipal de Alenquer (CMA), através do vereador Paulo Franco, que se entusiasmou com o projecto. Porquê? “Por razões históricas (Alenquer e a cultura da vinha são a mesma coisa), por questões de proteção da biodiversidade (replantar a casta Vital) e por causas económicas (promover os vinhos da casta Vital no estrangeiro)”, diz-nos. Donde, a ideia do protocolo entre Alenquer/Benkocac, INIAV/Universidade de Zagreb e Adega Cooperativa da Labrugeira/produtores croatas começou de imediato a ganhar forma.

Só que Paulo Franco entendeu que se era para ir por diante com o projecto, que se começasse pelas bases. E vai daí dividiu o plano em três fases: primeiro, plantar um jardim ampelográfico no centro de Alenquer com 50 castas (34 delas regionais) e aberto ao público; segundo, fazer um bom vinho da casta Vital para mostrar aos croatas do que é se estava a falar (assim nasceu o Empatia, da Adega Cooperativa da Labrugeira, pelo enólogo Ricardo Noronha) e, por fim, assinar em 2017 o tal protocolo. Em 2019 fizeram-se as plantações das vinhas nos dois países e, em 2022, por estes dias, decorreram as primeiras vindimas em Alenquer e Benkovac.

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Vindima de castas croatas, Alenquer Miguel Madeira
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Vindima de castas croatas, Alenquer Miguel Madeira

Se a ideia é, da parte portuguesa, promover o vinho da casta Vital, o protocolo determinou que, além desta, seguissem viagem para Benkocav as castas Arinto, Fernão Pires, Touriga Nacional, Touriga Franca e Sousão. Já que era para experimentar, que se alargasse o universo de castas. De lá para cá chegaram as castas brancas Posip, Marastina e Vulgava e as tintas Plavac Mali, Plavina e e Svrdlovina.

Alguns leitores poderão questionar esta ideia de se fazer vinho em Portugal com castas croatas quando andamos há décadas a promover o carácter diferenciador dos nossos vinhos, mas não há aqui qualquer contradição. Pelo contrário. Esta é uma estratégia que, por via da ‘exportação’ de várias castas nacionais, chama a atenção dos consumidores croatas para os vinhos portugueses. E vice-versa. Como sublinha Francisco Toscano Rico, presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa, o que está em causa “é o reforço da identidade cultural de dois territórios ligados à vinha e ao vinho, a partilha de conhecimento científico entre os viticultores dos dois países, a preservação do património genético e, claro, o desenvolvimento de negócios, por via do lançamento de novos vinhos”.

Com os mostos brancos das castas croatas a terminar as fermentações na Estação de Dois Portos, Ricardo Noronha, que é o enólogo encarregue da feitura dos vinhos croatas em Portugal, não quer entrar em grandes pormenores, visto que estamos perante uma primeira vindima de plantas novas – quase todas desconhecidas do enólogo – e ainda por cima num ano vitícola complicado. “Umas são mais aromáticas do que outras e há uma que tem uma excelente acidez, mas isto é uma criança que ainda nem começou a gatinhar”, diz-nos. Talvez daqui a um ano já se possa escrever qualquer coisinha sobre os novos vinhos.

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Vindima de castas croatas, Alenquer Miguel Madeira

Seja como for, três coisas são certas: uma, conhecer castas estrangeiras faz bem à educação de qualquer enófilo; duas, vai ser curioso provar um Vital feito na Croácia (assim como comparar vinhos das mesmas castas criados nos dois territórios); três, se tudo correr bem pode ser que se tenha criado uma estratégia eficaz de promoção das castas e dos vinhos portugueses, num mundo a transbordar de Chardonnay, Cabernet ou Sauvigon Blanc.

P.S.: Como não conhecemos os vinhos das castas croatas em causa (volta e meia ouvimos falar de Posip mas só isso), consultamos o Guia de Castas de Jancis Robinson (Livros Cotovia, 2000). Sobre a parte croata, apenas uma referência à Plavac Malic, responsável por vinhos com “elevados teores de taninos, álcool e cor”. Agora, o que diz a especialista sobre a Vital? “Casta portuguesa do litoral que produz vinhos banais, ligeiramente chatos”. Se calhar não seria má ideia a CVRL mandar umas garrafas de Vital para Londres. Não?

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