Casta Vitis vinifera

No princípio era Vitis vinifera

História da casta Vitis vinifera

Entre as plantas do género Vitis, a espécie vinifera é aquela que dá origem a vinhos de qualidade. A sua origem está situada no Caucaso, mas diferentes estudos apontam para que a Península Ibérica seja outro solar original da Vitis vinifera. De uma forma ou de outra, o vinho nasceu desta trepadeira selvagem que, a partir da sua domesticação humana ao longo de milhares de anos, deu origem a mais de 5000 castas.

História da casta Vitis vinifera

Acredita-se que o homem terá retirado da natureza videiras silvestres para as confinar em espaços primários de cultivo. Terá reagrupado plantas que, por uma qualquer razão – sabor ou quantidade de frutos produzidos - lhe pareciam consistentes. Admite-se, nesta fase que os investigadores gostam de classificar como estádio intermédio, que um campo de vinhas deveria a ser uma confusão de formas, feitios e cores da Vitis vinifera.

História da casta Vitis vinifera

Com o tempo, o agricultor eliminou as plantas menos produtivas e deixou as que lhe davam mais rendimento, de maneira que os campos de cultivo começaram a ficar vegetativamente mais uniformes. À distância de milhares de anos, este estádio intermédio da cultura dá origem a debates intermináveis, em particular no que diz respeito aos mecanismos de reprodução das plantas Vitis vinifera. Inicialmente, a reprodução terá sido por semente (cujo resultado seria uma imensa diversidade) e só depois por via da replicação vegetativa, sistema esse que viria a inaugurar o conceito de casta ou variedade.

História da casta Vitis vinifera

O cruzamento natural entre videiras, o domínio da multiplicação por via vegetativa, o consequente aparecimento de variedades geneticamente mais uniformes, ainda que sujeitas a mutações genéticas que ocorrem ao longo de milhares de anos e os diferentes terroir onde se cultivaram as vinhas acabaram por originar o conceito de casta - uma população até certo ponto uniforme, mas heterogénica quanto a importantes características. E assim se chegou, digamos, à fase científica da produção de vinho, que viria a desembocar no problemático conceito de seleção clonal, tendencialmente afunilador da diversidade intravarietal natural.

O milagre da multiplicação das castas

As castas/variedades, nascem através de dois processos: 1) cruzamentos em ambiente natural; 2) manipulação humana. Num caso ou noutro, acontece o mesmo que no reino animal. Isto é, cada casta nasce do cruzamento entre um progenitor masculino e outro feminino.

Cruzamento natural

Quando o pólen libertado de uma videira, como estrutura masculina, é levado por insectos ou pelo vento para a parte feminina de uma flor de outra videira nas proximidades, isso dá origem a frutos com sementes (no caso, os bagos, agrupados num cacho de uvas). Estas sementes caem no solo como estratégia de sobrevivência da própria espécie e, deste modo, de cada uma nasce uma planta filha, que depois de multiplicada pode ser uma nova variedade/casta. Se, ao longo do tempo, um agricultor se apercebe de que a nova casta tem características que lhe interessam (por maior rendimento, novos aromas ou resistência a doenças), multiplica-a vegetativamente, que é a forma de garantir a sua individualidade genética.

Cruzamento artificial de castas

Cruzamento artificial

Seja porque precisamos de castas que resistam às doenças sem uso de produtos fitofarmacêuticos, seja porque temos de aumentar ou melhorar um determinando parâmetro de certa casta, há quem se entretenha a substituir a natureza. Como? Transportando pólen de certas castas para o sistema reprodutor feminino de outras. Quem, em Portugal, mais obra deixou nesta matéria foi o engenheiro José Leão Ferreira de Almeida, que criou dezenas de variedades de uvas para a produção de vinhos ou para a produção de uva de mesa. Como exemplos na primeira categoria, temos a muito rara e badalada Sercialinho (dá um vinho de grande qualidade) ou a muito produtiva Seara Nova. Na segunda categoria, a uva de mesa Dona Maria, variedade em declínio pelo aparecimento no mercado de outras temporãs e sem grainhas.

Quem é filho de quem

Num país com cerca de 250 castas autóctones, não se conhecem os progenitores de todas. Ainda assim, com o apoio da enorme base de dados alemã que é Vitis International Variety Catalogue (VIVC), a equipa do professor Antero Martins - Instituto Superior de Agronomia (ISA) e Associação Portuguesa para a Proteção da Videira (Porvid) - tem revelado algumas curiosidades: a primeira é que, para a realidade portuguesa, quatro castas deram uma descendência considerável. São elas o Alfrocheiro (existe também em Espanha), Marufo (ou Mourisco) Amaral (Azal nos Vinhos Verdes) e a Cayetana Blanca ou a Heben (espanholas), o que significa que as plantas não conhecem o conceito de fronteira. A segunda é que - como no reino animal - cruzamentos entre os mesmos progenitores dão origem a castas diferentes, pelo que temos por aí várias castas que são irmãs. E, terceiro, temos castas nacionais importantes que são incógnitas de um dos lados, do pai ou da mãe. Aqui ficam alguns exemplos de cruzamentos

Casta Tinta Roriz/Aragonês

Tinta Roriz/Aragonês

Albillo Mayor X Benedicto

Nascida em Espanha (Tempranillo), acaba por ser a grande casta tinta ibérica e uma das mais plantadas em todo o mundo por ser generosa para o agricultor, circunstância que exige cuidados para a obtenção de vinhos de qualidade. De tintos a Porto, passando por espumantes, ou Blanc de Noir, é uma casta versátil.

Casta Touriga Franca

Touriga Franca

Touriga Nacional X Marufo (ou Mourisco)

Os ingleses gostam de dizer que a Touriga Franca é o back bone dos vinhos do Porto, querendo com isso dizer que é estruturante na feitura do vinho do Porto. E quem diz o vinho do Porto diz todos os tintos do Douro e de várias regiões do país. Já agora, a Tinta Barroca, Tinta Aguiar, Tinta da Barca e Melra também são irmãs (resultaram do mesmo cruzamento).

Casta Malvasia

Malvasia

Heben X Amaral

Cá está um caso que baralha os consumidores, por comparação à Malvasia Fina. São bem diferentes. Quando se fala em Malvasia fala-se na Malvasia de Colares, que é uma casta muito apreciada por quem gosta de brancos complexos, com aromas e sabores minerais, marinhos e salgados. Beber um Malvasia com menos de 5 anos de vida é um desperdício.

Casta Castelão

Castelão

Cayetana Blanca X Alfrocheiro

Apesar de ser uma casta importante nas regiões do Tejo e da Península de Setúbal, perdeu alguma notoriedade nos últimos anos. Aos poucos, os produtores percebem que pode ser uma mais-valia quando a oferta de vinho é demasiado padronizada. Bem cuidada, a casta dá origem a tintos distintos.

Casta Malvasia Fina

Malvasia Fina

Heben X Alfrocheiro

Agora, mudando a mãe espanhola (de Cayetana Blanca por Heben) temos o nascimento da Malvasia Fina, que existe em maior abundância no Douro e em Távora-Varosa, onde participa nos lotes dos vinhos brancos. E, para exemplificar o velho problema da multiplicação de nomes para as mesmas castas mas em regiões diferentes, a Malvasia Fina também é conheci