A Escola do Futuro... para o futuro. Qual futuro?

No, já esquecido, relatório Educação: um tesouro a descobrir (UNESCO, 1996), Jacques Delors definiu a escola como o local privilegiado para aprender — a conhecer, a fazer, a viver juntos e a ser.

Longe vão os tempos revolucionários, animados pelos ventos do liberalismo, em que se via na escola o espaço maior de instrução, capaz de formar cidadãos chamados a ter um papel ativo e competente na sociedade e no Estado.

Hoje, é comum dizer-se, em tom crítico, que ensinamos alunos do século XXI numa escola que permanece ancorada aos modelos do século XIX. E há ainda quem defenda, quase como um dogma de fé, que a salvação da escola está na preparação dos nossos alunos para o futuro, através de uma aposta de âmbito tecnológico com recurso a ferramentas de ponta, a aprendizagem de programação desde os primeiros anos de escolaridade, passando por um modelo de sala de aula dinâmico.

Nada contra. Nada contra, mesmo!

Se ainda restassem dúvidas, os longos períodos de confinamentos puseram a nu as múltiplas escolas que existem neste país, ora pela via da eficácia (ou falta dela) na resposta aos desafios, ora pelo acompanhamento (ou ausência dele) dos alunos e respetivas famílias, ora com o apoio material (ou inexistência dele) para dar resposta à dimensão virtual que se transformara na nova realidade.

A pandemia afinou ainda mais a perceção que temos da escola, embora continuemos a ter visões muitos distintas, por vezes até do domínio da ficção científica, sobre o que queremos que a escola seja. E porque há em nós, portugueses, uma particular propensão à ausência, preferimos constantemente ansiar pelo pleno (José Gil, O Medo de Existir, 2004). E o pleno tem-se manifestado nos últimos anos, decorrentes de estudos internacionais, como o Projeto PISA, ou da mera vontade de comparar o incomparável, em atingir determinados resultados por via de implementar experiências educativas (como é o caso da programação), algumas das quais provenientes do arco norte europeu.

Nada contra. Nada contra, mesmo!

É bom ter objetivos! Eu diria mesmo que é fundamental que eles sejam definidos numa lógica temporal que ultrapasse uma legislatura — e, de preferência, que sejam exequíveis. Mas tão importante quanto as vontades que arrebatem o Homem, é prioritário fazer um profundo diagnóstico da escola portuguesa, assim como avaliar o que tem vido a ser executado. Construir uma escola a partir de políticas autorais, de legislatura em legislatura, orientada pelas urgências financeiras do agora terá, certamente, impactos muito devastadores no futuro, que a velocidade dos acontecimentos não nos permite vislumbrar. Mas há uma certeza: esse futuro far-se-á de cidadãos esclarecidos, ativos, mobilizados na construção de uma sociedade mais justa, mais coesa, mais ecológica, mais transparente e íntegra.

No, já esquecido, relatório Educação: um tesouro a descobrir (UNESCO, 1996), Jacques Delors definiu a escola como o local privilegiado para aprender a conhecer, a fazer, a viver juntos e a ser. Nestes quatro pilares, a Educação para a Cidadania emerge com o foco na formação dos jovens. Uma formação que deve estar projetada para o futuro com os pés muito bem assentes no presente.

A passos largos do Ano Europeu da Juventude, tenhamos todos a consciência de que a escola é um espaço de bem-comum, de encontro, de crescimento, de transformação, de diferença, de paz e de bem o melhor testamento que podemos deixar aos nossos. E, ao contrário do que muitos possam julgar, a escola do século XIX ainda nos deve inspirar, não nas suas metodologias, mas no seu principal propósito o de formar cidadãos chamados a ter um papel ativo e competente na sociedade.

“Possam os nossos filhos reclamar a felicidade (...), apresentando-se ao futuro com merecimentos que nós não podemos invocar!” (Eça de Queiroz, As Farpas, 1871.)

A Escola do Futuro começa hoje... hoje e agora. Não nos distraíamos.

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