Educação com futuro

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Assiste-se, hoje, no país, a uma situação desoladora no domínio da educação das novas gerações

É preciso regressar à década de noventa do século passado para encontrar uma reflexão sistémica aprofundada sobre a educação e encontrar frases como estas: a educação é uma utopia necessária ou colocar a educação ao longo de toda a vida no coração da sociedade.

Estou a pensar no relatório para a UNESCO, elaborado por uma comissão ad hoc presidida por Jacques Delors: Educação - um tesouro a descobrir.

De então para cá, em Portugal, como noutros países europeus, o que sucedeu foram reformas avulsas, sem objectivos claramente definidos e devidamente contextualizados, elaboradas de costas voltadas para os agentes educativos, que se sentiram (sentem!) ultrapassados, desrespeitados e injustiçados.

O sistema de ensino, como parte integrante e trave-mestra de uma estratégia mais vasta de educação para todos ao longo da vida, foi, sem dúvida, o elo da cadeia mais exposto às convulsões provocadas pelas reformas educativas ocorridas na última década.

Os recentes constrangimentos impostos pela crise e pelas políticas ditas de austeridade vieram agravar - e muito - a situação, impondo medidas de contenção de custos, sem a devida ponderação dos respectivos efeitos nos benefícios das mesmas.

Por outro lado, a pressa de conseguir resultados quantitativos em matéria de extensão e sucesso escolar introduziu disfunções sérias no sistema, as quais afectaram a qualidade do ensino, bem como penalizaram as condições do exercício da função docente.

Assiste-se, hoje, no país, a uma situação desoladora no domínio da educação das novas gerações, pese embora os esforços feitos e os resultados positivos alcançados no que se refere à qualificação do parque escolar ou ao equipamento informático das escolas ou, em casos pontuais, a iniciativas de redesenho da rede escolar.

Os edifícios escolares modernizaram-se, mas a paisagem humana dos agentes educativos apresenta, hoje, cores muito sombrias que não podem deixar de preocupar não só os governantes como toda a sociedade civil: excelentes professores que abandonam precocemente a profissão ou estão à beira de esgotamento por uma sobrecarga de tarefas burocráticas de utilidade duvidosa, arbitrariamente e despoticamente impostas e desrespeitadoras de direitos pessoais básicos; ambiente de luta competitiva entre docentes por uma carreira de futuro incerto, com consequente perda de laços de confiança e cooperação entre o corpo docente, fundamentais em qualquer comunidade humana; propensão à indisciplina e à violência por parte dos alunos, entre si e mesmo na relação destes com professores e funcionários.

Também no dizer dos especialistas, os curricula vigentes estão desadequados às necessidades e perderam coerência, devido a sucessivos acrescentamentos de alguns módulos disciplinares em detrimento de outros, introduzidos sem a devida visão de conjunto.

Uma palavra, ainda, para lembrar o modelo de gestão que vem sendo implementado e que tem revelado falhas graves, nomeadamente a sua excessiva dependência das entidades locais, mais propensas à defesa de interesses partidários imediatos do que aptas a construir uma visão estratégica de futuro.

No passado recente, a solução dos agrupamentos e mega-agrupamentos de escolas veio trazer novas perplexidades entre as quais cabe destacar: maior e por vezes excessiva concentração de alunos de idades muito diversas; distribuição de serviço lectivo a um mesmo docente em mais de um estabelecimento escolar, não raro separado por considerável distância; elevados custos humanos para alunos, professores e funcionários.

Invoco esta sucinta descrição sombria do que venho ouvindo e sentindo junto de quem integra o sistema, não tanto para mais uma lamentação, mas para abrir caminho a uma mudança radical, a meu ver indispensável e inadiável.

Em vésperas de formação de novo Governo e, ainda, em fase expectante, cabe apelar à nova governação de que não se deixe encandear com as luzes de um qualquer "austeritarismo" cego que apenas olha ao corte na despesa, esquecendo que o importante para bem decidir é uma análise rigorosa de custos e benefícios.

No caso da educação, só uma miopia agravada pode deixar de lado a devida ponderação dos objectivos de uma educação de qualidade para todos, realizada com a motivação e a participação empenhada, cooperativa e responsável, por parte de todos os seus agentes.

Confesso que, no programa do partido que ganhou as últimas eleições, não encontrei grandes luzes sobre o futuro da educação no nosso país, mas confio em que, uma vez eleito, o Governo que vier a formar-se tenha a sabedoria de começar por ouvir as vozes de docentes e não só que querem sinceramente uma melhor educação em Portugal, conhecem a situação concreta e têm propostas para a melhorar.

Pelo que vou escutando, antecipo uma miniagenda de assuntos prioritários:

- reavalie-se a experiência dos agrupamentos e retirem-se daí as devidas conclusões, incluindo correcções nos casos mais gritantes e disfuncionais;

- suspenda-se de imediato o processo burocrático da avaliação de professores e corrijam-se injustiças já cometidas;

- elabore-se novo estatuto do aluno que promova a responsabilização e reforce a autoridade dos docentes e funcionários;

- repense-se o modelo de gestão, aproveitando a experiência havida;

- estude-se uma reforma curricular digna desse nome;

? eliminem-se as estruturas intermédias (direcções regionais) e outras da administração central que se apresentem desnecessárias;

- exija-se uma formação científica inicial que dê garantia de um ensino de qualidade e cuide-se da formação em serviço;

- proceda-se a uma auditoria urgente da parceria público-privada Parque Escolar e retirem-se dela as devidas ilações. Membro da comissão permanente da rede Economia com Futuro

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