Seca: País tem de se adaptar e precisa de planos para vários cenários, avisa Joana Portugal Pereira

A investigadora Joana Portugal Pereira considera que o mundo caminha no sentido correcto, mas “lentamente”: “Sou uma optimista realista”, diz.

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A investigadora Joana Portugal Pereira Nuno Ferreira Santos

A cientista Joana Portugal Pereira avisa que o país tem de se preparar antecipadamente para a adaptação às alterações climáticas, que estão e vão provocar períodos de seca, e aconselha cuidados com a água e mais árvores.

“É essencial implementar planos de adaptação às alterações climáticas sectoriais e regionais que avaliem especificamente a vulnerabilidade a que estaremos expostos em diferentes cenários de aquecimento global (1.5 graus Celsius, dois graus, três graus e quatro graus)”, sublinha, em declarações à agência Lusa, a investigadora portuguesa e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Brasil.

No caso dos sistemas alimentares, é relevante adoptar práticas mais eficientes no uso de recursos hídricos e de reutilização de água no sector agro-alimentar. É igualmente importante termos cadeias de abastecimento mais curtas para reduzir a vulnerabilidade do acesso a alimentos em casos de eventos extremos”, alerta ainda.

Porque as alterações climáticas não são passageiras, porque é inequívoca a influência que tem o aumento de emissões de gases com efeito de estufa derivadas das actividades humanas, a investigadora fala da importância da mitigação, aconselha uma agricultura de precisão, a adaptação das culturas e do uso do solo, e mais sombra.

“A sombra é essencial” e pode ser conseguida com espécies autóctones, como o olival não intensivo, diz Joana Portugal Pereira, também autora do relatório do grupo de trabalho III em mitigação, do Painel Internacional para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

Diversificar é a palavra-chave na resiliência, diz, explicando que para fazer face à seca “é preciso caminhar em várias frentes”, até porque cada solução pode ter entraves. Dessalinizar água do mar, por exemplo, é um processo muito intenso em consumo de energia.

Portugal continental está em seca extrema ou severa e desde o início do ano que sempre esteve em seca em partes do país, podendo este ser o ano mais seco do último século.

Joana Portugal Pereira responde que os últimos relatórios do IPCC mostram que é inequívoca a influência do aumento de emissões de gases de efeito estufa derivadas de actividades humanas no aquecimento global.

“O último boletim da Organização Meteorológica Mundial [WMO, na sigla em inglês] afirma que o nível médio de aquecimento global é de 1,1 graus celsius acima da temperatura verificada no período pré-industrial. Este aquecimento global reflecte-se não apenas no aumento médio da temperatura, mas também na ocorrência de eventos extremos mais frequentes e severos, entre eles os períodos de escassez hídrica mais longos e intensos”, acrescenta, ou seja, a recente onda de calor extremo que passou pela Península Ibérica e a escassez hídrica “são efeitos do aquecimento global”.

Num cenário de aumentos de temperatura global na ordem dos três ou quatro graus Celsius, a região do Mediterrâneo pode ter em cada ano, diz, 14 a 17 dias de temperaturas acima de 40 graus Celsius. A região, admite, pode já ter um aumento médio da temperatura superior aos 1,1 graus.

A cientista não tem dúvidas de que, segundo os modelos climáticos, Portugal vai ter menos água. E alerta que associada à seca há uma aceleração da degradação do solo e dos ecossistemas terrestres, “afectando significativamente as actividades da agricultura” e a biodiversidade. “Espera-se que a produtividade agrícola de cereais possa sofrer reduções e que ocorra também uma mudança no uso do solo e períodos do ciclo de colheita”, assinala.

Um optimismo realista

Mas ainda assim não se considera uma pessoa pessimista em relação ao futuro e perante a pergunta directa responde também directamente que não acredita que a humanidade esteja a caminhar para uma extinção.

No último relatório do IPCC sobre mitigação climática o nível de emissões de gases de efeito estufa (GEE) atingiu o nível máximo de 59 mil milhões de toneladas de CO2 equivalente. “Este é um valor máximo. Contudo, o aumento das emissões na última década foi inferior ao verificado na década anterior entre 2000 e 2010.”

E nota que há pelo menos 18 países que têm vindo a reduzir de forma consistente as emissões de GEE. Mas, acrescenta, disrupções como a pandemia de covid-19 ou a guerra na Ucrânia podem atrasar o percurso positivo.

“Caminhamos no sentido correcto, mas lentamente. Sou uma optimista realista. Estamos muito aquém do que seria desejado, mas há alguns anos estávamos muito mais próximos de cenários mais pessimistas”, diz, exemplificando com o último relatório do IPCC, que coloca como cenário mais pessimista um aumento das temperaturas de 3,5 a quatro graus Celsius, o que é abaixo de relatórios anteriores. Mas ainda que melhor “não é um cenário bom”.

Joana Portugal Pereira explica que o sistema climático é altamente complexo, diz que os modelos são generalistas e não são precisos em relação ao que, por exemplo se passará em Portugal ou numa determinada cidade. Mas diz também que a humanidade caminha para eventos sem retorno.

E se, hoje mesmo, parassem as emissões de gases com efeito de estufa parava o aumento da concentração de gases, mas o aquecimento global não se iria reverter.

Num futuro com menos água e menos energia produzida em barragens, com uma guerra na Europa, poderão os governos voltar-se para a energia nuclear, mas também para o carvão e gás natural, aumentando o aquecimento global.

No caso da energia nuclear, ainda que sem emissões de GEE, há “impactos ambientais consideráveis”, na extracção e enriquecimento do urânio, no tratamento dos resíduos. Além de que as centrais nucleares necessitam de quantidades consideráveis de água para a refrigeração dos reactores. “No passado, em França e na Finlândia, já foi necessário desligar temporariamente reactores nucleares devido ao aumento da temperatura, dificuldades de refrigeração e poluição térmica”, diz.

Portanto, conclui, os sistemas fotovoltaicos mostram-se os mais resilientes às alterações climáticas e de menor pegada de carbono.

Joana Pereira, também autora do relatório sobre lacunas de emissões lançado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP, na sigla em inglês), diz que “não faz sentido negar as alterações climáticas”, uma questão consensual junto de quase 100% dos cientistas, pelo que os negacionistas do clima “têm talvez algum interesse paralelo”.

E salienta logo a seguir a lacuna que existe entre as preocupações manifestadas pelas pessoas sobre as alterações climáticas e as suas acções para as minimizarem. Está a falar dos portugueses, que continuam a ser dos que mais consomem produtos de origem animal, dos governos e das populações que não estão cientes do contributo das suas acções para as alterações climáticas, da necessidade de consumidores mais conscientes e de distribuidores mais sensíveis.

É uma questão, diz Joana Portugal Pereira, que a preocupa. Mas conclui que temos grandes avanços tecnológicos e comportamentais, temos conhecimento científico e sabemos as respostas. Temos agora é de superar uma série de inércias.

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