Parlamento Europeu aprova classificação do gás natural e energia nuclear como sustentáveis

Eurodeputados aceitaram taxonomia verde da Comissão Europeia, que inclui gás natural e energia nuclear. Portugal poderá aproveitar para captar investidores para o projecto de construção do gasoduto do porto de Sines.

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O Parlamento Europeu está reunido em Estrasburgo EPA/JULIEN WARNAND

O plano apresentado pela Comissão Europeia para classificar investimentos em gás natural e energia nuclear como sustentáveis, que tem gerado enorme polémica, foi aceite pelo Parlamento Europeu, reunido esta quarta-feira em Estrasburgo. Da audiência e do lado de fora do edifício, ouviram-se apupos.

Nesta votação, uma maioria de 328 eurodeputados votou contra uma objecção ao acto delegado complementar da taxonomia verde apresentado por duas comissões parlamentares, e apenas 278 votaram favoravelmente. Houve 33 abstenções. “É um importante reconhecimento da nossa abordagem realista e pragmática para ajudar muitos Estados-membros na sua transição para a neutralidade carbónica”, congratulou-se a Comissão Europeia, em comunicado.

Se esta objecção fosse aprovada por uma maioria de pelo menos 353 deputados, o documento poderia ser impedido de entrar em vigor. Outra forma de o travar seria se houvesse a oposição de uma maioria qualificada reforçada de 20 dos 27 Estados-membros da União Europeia, mas isso não se verifica.

Mas alguns Estados-membros, como a Áustria e o Luxemburgo, que são contra a inclusão do gás e especialmente do nuclear neste documento, apresentado no início do ano pela Comissão Europeia, que cria um sistema para classificar quais as actividades económicas que podem ser designadas como investimentos sustentáveis, já anunciaram a intenção de processar a Comissão Europeia.

A energia nuclear não produz emissões de dióxido de carbono que estão na origem do aquecimento global, mas produz resíduos radioactivos. O gás natural produz emissões de CO2, mas é considerado um combustível de transição para abandonar o carvão.

Se não existir outra oposição ao acto delegado da taxonomia até 11 de Julho, este entrará em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2023. Na verdade, a taxonomia deve estar na agenda do Conselho de Economia e Finanças da próxima semana, a 12 de Julho.

Portugal poderá aproveitar a taxonomia para captar investidores para o projecto de construção do gasoduto do porto de Sines, que fará a interligação com o centro da Europa, e que já estará adaptado ao transporte de hidrogénio verde. A presidente da Comissão Europeia Europeia, Ursula von der Leyen, disse na manhã desta quarta-feira no plenário do Parlamento Europeu que os investimentos nas infra-estruturas das interconexões são fundamentais.

"Uma derrota"

“Este voto é uma grande derrota para o Parlamento Europeu”, declarou Karima Delli, membro suplemente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários, uma das que apresentou a objecção ao acto delegado da taxonomia, juntamente com a Comissão do Ambiente. “Não podemos aceitar que energias como o gás e o nuclear sejam consideradas como energias de transição. A urgência climática existe. É absolutamente necessário agir rapidamente e de maneira significativa para tentar evitar o desastre que se anuncia”, declarou.

“À luz da invasão da Ucrânia pela Rússia, é absurdo que a União Europeia continue a dar legitimidade ao gás como energia verde. Nenhuma instituição credível pode sancionar a invasão da Rússia com uma mão, e continuar a avançar com planos para incentivar investimentos que incluem o fornecimento de combustíveis fósseis com a outra”, comentou Sandrine Dixson-Declève, co-presidente da organização de reflexão Clube de Roma​, num comunicado de imprensa divulgado após a votação.

O Governo ucraniano, no entanto, divulgou uma carta assinada pelo ministro da Energia, German Galushchenko, em que dá o seu apoio à taxonomia. A reconstrução da Ucrânia após a guerra “necessitará de um clima de investimento previsível e propício a todas as tecnologias, incluindo o nuclear e o gás”, diz o ministro ucraniano.

Mas os críticos temem que funcione como um exemplo para o resto do mundo e que outros países incluam tanto o nuclear como o gás nas suas taxonomias, desviando financiamento que poderia ser canalizado para as energias renováveis. “A UE criou um precedente perigoso de reduzida ambição que outros países e jurisdições podem seguir”, comentou Johanne Schroeten, analista do think tank ambiental europeu E3G, citado num comunicado de imprensa.

“Estamos a enviar um sinal desastroso para os investidores e para o resto do mundo de que a UE agora reconhece o gás fóssil e a energia nuclear como investimentos sustentáveis. Ao abrir caminho para o acto delegado, a União Europeia cria condições de pouca fiabilidade e de greenwashing no sector da energia”, comentou o eurodeputado de Os Verdes Bas Eickhout, vice-presidente da Comissão de Ambiente. Está a referir-se a um dos objectivos da taxonomia: clarificar, para os potenciais investidores, o que é greenwashing e o que são são investimentos verdadeiramente sustentáveis. O termo greenwashing é usado quando uma empresa, organismo público ou outra organização divulga ou promove práticas ambientais positivas, mas a sua actuação é contrária aos interesses ambientais e ao desenvolvimento sustentável.

Agrava dependência europeia, dizem

Este documento é não só uma lista como um conjunto de critérios que as actividades económicas têm de cumprir para ter o selo “verde”, que o gás e a energia nuclear garantiram. Oficialmente, a decisão foi tomada com base em critérios científicos, e houve um grupo de peritos a aconselhar a Comissão Europeia. Mas este grupo sentiu-se traído pela proposta final apresentada pela Comissão: “As recomendações originais não eram para incluir gás e nuclear”, como o fez o documento final, disse ao PÚBLICO Sandrine Dixson-Decléve​, que participou naquele grupo de peritos, denominado Plataforma para as Finanças Sustentáveis.

“De uma perspectiva de resíduos perigosos, não podíamos propor a energia nuclear. E de uma perspectiva de emissões de carbono que afectam o clima, não podíamos propor o gás natural”, disse Sandrine Dixson-Decléve. “Não faz sentido forçar a aceitação do nuclear e do gás, especialmente numa altura em que vemos quão grave é a nossa dependência do gás” da Rússia, resume.

“Embora a inclusão destas actividades [gás e nuclear] nesta classificação seja limitada no tempo e dependente de condições específicas, trata-se claramente de um revés no Pacto Ecológico Europeu e na sua ambição”, comentou a associação ambientalista portuguesa Zero. “Estão assim criadas condições para incentivar investimentos em novas centrais a gás que farão aumentar a dependência da União Europeia de gás fóssil importado, prejudicando ainda o objectivo de alcançar a independência energética total da Rússia e perpetuando a dependência energética de outros blocos económicos”, conclui, em comunicado.

A Zero saudou ainda a posição assumida pelos eurodeputados portugueses: “De entre os 278 eurodeputados no Parlamento que constituem os 46% que votaram contra esta classificação, estão 18 dos 21 eurodeputados portugueses. Ou seja, uma larga maioria dos representantes de Portugal no Parlamento Europeu votou ao lado da rejeição”, diz.

“O acto delegado não considera os graves riscos para o investimento e para a segurança energética associados à exposição e demasiada dependência do gás e de importações de combustível nuclear; o impacto no custo de vida dos europeus; e os danos à liderança climática e credibilidade internacional da União Europeia”, escrevia Tsvetelina Kuzmanova, analista do think tank E3G numa análise recente. “Centrais nucleares na Europa de Leste e Central de tecnologia antiga e construção soviética, que agora vão ser classificadas como verdes, só usam urânio russo”, salientou, numa conversa com o PÚBLICO.

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