Lagarde terá de imitar Mário Draghi

Esperemos que Lagarde não nos desiluda e crie uma eficaz ferramenta de compra de títulos que bloqueie previsionais movimentos especulativos dos mercados que “ataquem” países da zona euro com dívidas soberanas mais vulneráveis.

Christine Lagarde vai ter que brevemente desempenhar um papel na obtenção de estabilidade na zona euro, tal como o fez Mário Draghi, quando em 2012 prometeu “tudo fazer para salvar o euro”, e com isso acalmou os mercados. Prometeu e cumpriu. A própria governadora do BCE admitiu na semana passada que estamos a viver mais um momento histórico.

Como verificamos, a taxa diretora do BCE subiu 50 pontos base, pondo finalmente um ponto final na época do dinheiro barato, tanto mais que os aumentos não ficarão por aqui. Vários analistas já dão como adquirido que até ao final deste ano as subidas serão de mais 100 pontos base, com um aumento de 50 pontos já em setembro. Mas, provavelmente, as subidas até ao final do ano serão de 125 pontos base, para cumprir o objetivo de começar a fazer reduzir a inflação de uma forma significativa. Pelo menos parece que o BCE já percebeu os erros cometidos por Jean-Claude Trichet.

Taxas de juros mais elevadas levantam problemas sobre a sustentabilidade de algumas dívidas públicas, agravada pela crise instalada em Itália, que provocou a mais que justificada demissão do melhor primeiro-ministro que Itália teve nas últimas décadas: Mário Draghi.

Esperemos que Lagarde não nos desiluda e crie uma eficaz ferramenta de compra de títulos que bloqueie previsionais movimentos especulativos dos mercados que “ataquem” países da zona euro com dívidas soberanas mais vulneráveis.

Mas nem tudo é mau. Apesar de a inflação provocar corrosão no poder de compra de quem tem rendimentos fixos (salários, pensões, rendas, etc.), está a fazer aumentar as receitas fiscais, nomeadamente a nível de IVA.

Apesar de o país já estar a pagar mais para se financiar, a subida das receitas do IVA mais do que tem compensado esse aumento da despesa.

Como, atualmente, as taxas de juro ainda estão claramente abaixo da taxa de crescimento do PIB real, o índice de endividamento terá forçosamente de descer, mesmo sem termos superavit primário. Espera-se que pelo menos até 2026 se mantenha esta situação, o que faria com que finalmente por essa altura a dívida pública relativa baixe dos 100% do PIB, atendendo a que os consequentes ajustamentos anuais entre o endividamento líquido e o stock final de dívida nos sejam favoráveis.

Como, infelizmente, muitas vezes acontece, não podemos só esperar que o rácio dívida/PIB se reduza apenas pela subida do PIB, teremos que pagar dívida e não cair na tentação de a “gerir”, pois gerir dívida não é pagar, é protelar, e Portugal tem de manter o estatuto de país cumpridor e de palavra.

Apesar da agressão da Rússia à Ucrânia e de ainda de não sabermos como vai terminar esta guerra, mas usufruindo de uma previsível estabilidade política para os próximos quatro anos, estão criadas condições favoráveis para tratarmos do nosso maior problema económico: dívida pública manifestamente elevada, que tanto nos tem prejudicado nestes últimos 20 anos.

Se assim for, estaremos finalmente no bom caminho. No caminho da credibilidade e do compromisso de honra.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar