Há uma “avaliação rápida” para as ilhas pequenas saberem como evitar o desastre climático

Esta quarta-feira, falou-se na Conferência dos Oceanos do projecto CORVI, um índice que avalia a vulnerabilidade de cidades costeiras a riscos climáticos. Da avaliação, resulta um acompanhamento focado em reduzir esses riscos.

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O projecto de um índice de risco climático e oceânico já actuou em Kiribati, onde as secas prolongadas são uma preocupação DAVID GRAY/Reuters

Num dos eventos paralelos do terceiro dia da Conferência dos Oceanos, o foco voltou a recair sobre os pequenos Estados insulares em desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês), que, estando entre os que menos contribuíram para a actual crise climática, são dos que sofrem os seus efeitos de forma mais dramática. Falou-se novamente, esta quarta-feira, dos poucos meios que estes territórios possuem para aumentar a sua resiliência à subida do nível médio das águas do mar. Mas foi também discutido um projecto que visa ajudá-los nesse aspecto.

Denominado Climate and Ocean Risk Vulnerability Index (Índice de Vulnerabilidade ao Risco Climático e Oceânico, ou simplesmente CORVI, na sigla em inglês), pode ser descrito como uma ferramenta analítica que a organização Centro Stimson (nos EUA) desenvolveu para ajudar governos e empresas a avaliar os riscos climáticos em cidades costeiras específicas, identificando áreas em que têm de ser aplicadas políticas ou acções de adaptação a tais riscos.​​

No âmbito das avaliações que a equipa do Centro Stimson realiza, são medidos à volta de 100 indicadores, agrupados em três categorias de riscos: ecológicos, financeiros e políticos. Eis alguns desses 100: “número total de furacões”; “número total de eventos de calor extremo”; “nível de cobertura de mangais”; “nível de cobertura de recifes de coral”; “taxa de erosão costeira”; “taxa de ocorrência de florescências de algas prejudiciais”; “consumo de peixe per capita”; “número de incidentes de embarcações estrangeiras a pescar em águas da zona económica exclusiva”.

Através de uma recolha de dados, é analisada a evolução de cada indicador ao longo dos anos. Também é feita uma projecção da magnitude que os problemas podem vir a adquirir, considerando-se as previsões relativamente às alterações climáticas. Para cada indicador, é atribuído um número de 0 a 10 (sendo que 10 remete para o patamar de maior risco) e são dadas recomendações — uma espécie de guia ou estratégia para os SIDS ficarem a saber o que têm de fazer e que parceiros têm de procurar.

O Centro Stimson já fez diagnósticos em cinco cidades — Castries (Santa Lúcia), Dar es Salaam (Tanzânia), Kingston (Jamaica), Mombaça (Quénia) e Suva (ilhas Fiji) — e está neste momento a realizar outros três, em Basseterre (São Cristóvão e Nevis), Chittagong (Bangladesh) e Dagupan (Filipinas). O problema: estas avaliações não se completam em menos de dois anos, estimou, no evento paralelo da Conferência dos Oceanos, Sally Yozell, directora de Segurança Ambiental do Centro Stimson.​

A maioria dos SIDS não tem os recursos para poder considerar fazer um investimento de dois anos. Mas o Commonwealth Blue Charter — um acordo entre os 54 países da Commonwealth para cooperarem na resolução de desafios relacionados com o oceano — trabalhou com o Centro Stimson para realizar “avaliações rápidas” e mais concentradas. Em vez de serem avaliados 100 indicadores, são avaliados “30 ou 40”, referiu, também no painel, Heidi Prislan, conselheira do Commonwealth Blue Charter. Essa truncação torna o processo mais viável e célere. “Deixam de ser dois anos, passam a ser três ou seis meses.”

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As cheias ocorrem com regularidade em Tuvalu, que está a criar registos da sua cultura antes de que esta nação insular seja engolida pelo mar MARIO TAMA/GETTY IMAGES

A importância de um acompanhamento continuado

Foram, muito recentemente, concluídas avaliações rápidas em três cidades: Bridgetown (Barbados), Colombo (Sri Lanka) e Tarawa (Kiribati). “O Commonwealth Blue Charter quer trabalhar de forma muito próxima com esses três países”, explicou Heidi Prislan ao PÚBLICO, após o evento paralelo. “Dois deles já disseram que querem avançar para uma ‘avaliação CORVI’ completa, pelo que vamos trabalhar com o Centro Stimson para ajudar a encontrar o financiador certo. O terceiro país ainda não sabe se vai fazer o mesmo ou se, primeiro, prefere tentar implementar as recomendações que saíram do diagnóstico rápido. Vamos ter reuniões com eles e, caso optem pela segunda via, iremos ajudá-los a encontrar os parceiros ideais para pôr essas recomendações em prática”, esclareceu.

A conselheira do Commonwealth Blue Charter insiste na importância de o acompanhamento não terminar com o fim da avaliação rápida. “Não queremos dar-lhes as recomendações e depois simplesmente dizer: ‘Vá, ide lá!’ Vamos continuar a trabalhar com os membros dos governos com quem temos trabalhado. Eles dir-nos-ão que indicadores pretendem atacar primeiro e nós vamos encontrar os parceiros certos, tenham eles que ver com investigação científica, recolha de dados ou outro campo qualquer”, destaca.

Heidi Prislan faz referência a outra questão importante. “É fundamental que os parceiros que possam vir a trabalhar com estes governos os capacitem, para que eles possam ser autónomos no futuro”, diz.

​A iniciativa de Vanuatu e a água quente do Palau

No evento em que se falou do projecto CORVI, falou também o ministro das Alterações Climáticas de Vanuatu. Silas Blue Melve fez referência à vontade que o seu Governo tem de que o Tribunal de Haia emita um parecer consultivo sobre o tipo de leis que deve ser criado para proteger países especialmente vulneráveis aos efeitos adversos das alterações climáticas. Tal parecer só será emitido se a proposta da nação insular, que tem o apoio de cerca de 1500 organizações da sociedade civil, conseguir 97 ou mais votos na 77.ª sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, que acontecerá entre 13 e 27 de Setembro em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

“A ciência é extremamente clara e a fase dos alertas já passou. O nosso oceano está a morrer”, alertou Silas Blue Melve, sublinhando que as emissões de gases com efeito de estufa continuam a aumentar desde o Acordo de Paris, assinado em 2015. O ministro das Alterações Climáticas de Vanuatu fez questão de deixar claro que a sua nação insular não está a apontar o dedo ou a atribuir as culpas da crise climática a nenhum país em específico. “Só queremos que o Tribunal de Haia providencie um parecer consultivo para que saibamos, com mais clareza, como é que os Estados podem caminhar juntos, protegendo os direitos humanos e os ecossistemas das alterações climáticas”, referiu.

Tapugao Falefou falou brevemente do projecto Future Now — que visa, em parte, usar as tecnologias para criar registos históricos da cultura de Tuvalu, antes que, no caso de os cenários mais desastrosos se concretizarem, o país seja engolido pela subida do mar — e a técnica de conservação da natureza Cheryl Jeffers também mencionou o projecto CORVI, focando-se na avaliação feita no seu país (São Cristóvão e Nevis). Pelo meio, falou Illana Seid. A representante permanente do Palau junto das Nações Unidas começou por lembrar que a primeira cimeira do clima em que marcou presença foi a de Glasgow, isto é, a COP26, que ocorreu em Novembro do ano passado. “Surpreendeu-me muito ver que, então, foi uma grande luta colocar o oceano dentro das discussões em torno das alterações climáticas”, apontou.

​Illana Seid afirmou depois que, devido ao aquecimento do oceano, o atum está a deixar as águas do Palau. “Eu tenho um filho de cinco anos e às vezes, quando vamos à praia, ele diz que a água está demasiado quente para os seus pés e pede-me para pegar nele. Eu nunca experienciei isso enquanto miúda”, disse.

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