Com a subida do mar, há países insulares que correm o risco de desaparecer

Alterações climáticas estão a levar à erosão da costa de cada vez mais nações insulares em desenvolvimento e de baixa altitude. A situação é especialmente dramática na região do Pacífico. Especialistas advertem que cenário só será invertido com apoios musculados por parte das nações desenvolvidas. E talvez seja demasiado tarde.

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Vista aérea do atol de Funafuti, em Tuvalu Mario Tama/Getty Images

Fongafale, a maior ilha de Funafuti, atol que forma a capital de Tuvalu, vê-se inundada uma vez por mês. A culpa não é só das tempestades que deixam os seus habitantes de sobreaviso quando atravessam o território. É também da alarmante subida do nível médio das águas do mar, que vem acelerando a erosão da costa.

Os mais velhos não querem sair de Tuvalu, mas há quem tenha os meios para deixar o sítio onde nasceu e parta em busca de melhores condições de vida. Alguns acreditam que, em breve, todos terão de ser realojados. Um dos países insulares de mais baixa altitude à escala global, Tuvalu corre o risco de, um dia, ser engolido pelo oceano e desaparecer.

Tuvalu é um de 58 Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS), países em isolamento geográfico e com poucos recursos que são particularmente susceptíveis aos efeitos adversos das alterações climáticas. A lista de SIDS é, não apenas mas em grande parte, composta por países das Caraíbas — Bahamas, Barbados, Cuba, Haiti, Jamaica, Porto Rico, República Dominicana e Suriname, por exemplo — e nações insulares banhadas pelo oceano Pacífico — como as ilhas Cook, as ilhas Fiji, Kiribati, Samoa, Timor-Leste, Tonga, Tuvalu e Vanuatu.

O presidente da associação ambientalista Zero, Francisco Ferreira, enumera alguns dos motivos pelos quais as nações insulares do Pacífico são especialmente vulneráveis. Em primeiro lugar, diz, constituem territórios que são “ilhas de muito baixa altitude”. Por outro lado, aponta, “estar no Pacífico é muito diferente de estar no Atlântico ou no Índico”. “A massa de água do oceano Pacífico é muito maior, o que faz com que os efeitos da subida do mar sejam mais expressivos”, salienta.

Nações insulares como Tuvalu — que, lembra o especialista, “ganhou muito protagonismo nos últimos anos, porque encabeça a luta dos países que têm batido à porta das nações desenvolvidas” e alertado para a necessidade de os países ricos reduzirem as suas emissões de forma “mais ambiciosa” — também são “facilmente susceptíveis à erosão”. “No fundo, aquilo é tudo praia. Não são áreas com uma costa resistente à subida do mar, pelo que o território facilmente fica alagado e erodido”, contextualiza.​

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Vista aérea de parte do atol de Mili, nas Ilhas Marshall, nação insular ameaçada pela subida do mar DigitalGlobe/Getty Images

Não é de hoje que Tuvalu e outras nações insulares estão em risco de se afundar. Mas a progressiva deterioração do ambiente está a aumentar a dimensão da ameaça.

Os mais vulneráveis são os que menos poluem

Em 2019, no seu relatório dedicado aos oceanos, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) dava o alerta: por volta de 2100, fenómenos meteorológicos extremos que “hoje são historicamente raros” (por exemplo, eventos que hoje acontecem “a cada cem anos”) tornar-se-ão “comuns”. Para “cidades de baixa altitude e pequenas ilhas”, isto pode ter consequências catastróficas: inundações, a erosão do solo e a falta de água potável, provocada pela salinização, podem comprometer actividades como a pesca e a agricultura, destruir casas e, no cenário mais extremo, levar mesmo ao desaparecimento de determinadas regiões.

Para as previsões mais pessimistas não se materializarem, referia então o IPCC, é fundamental que, em primeiro lugar, haja uma redução astronómica das emissões de dióxido de carbono (CO2). Quanto a este ponto, não há muito que as nações insulares do Pacífico possam fazer, uma vez que, à escala global, estão entre os países menos poluentes. Segundo o Banco Mundial, Tuvalu, Kiribati e Vanuatu emitiram, respectivamente, 0,87, 0,69 e 0,62 toneladas métricas de CO2 per capita em 2018. Valores que não chegam perto daqueles registados pelos Estados Unidos no mesmo ano: 15,24 toneladas métricas de CO2 per capita.

Investir-se em infra-estruturas de protecção também não será fácil, dado que a maioria dos SIDS não tem os meios para as construir — bem como não possui os recursos para reabilitar os ecossistemas costeiros que, devido à subida do mar, já sofreram alterações significativas.

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Michael Oppenheimer refere que, embora nem todas as nações insulares do Pacífico estejam a ser afectadas pela subida do mar da mesma forma, todas ou quase todas estão numa situação delicada Egan Jimenez

“Devido ao aquecimento do oceano Pacífico (e, possivelmente, à sua progressiva acidificação), há muitos países que, neste momento, estão a confrontar-se com o branqueamento e a destruição dos seus recifes de coral”, explica-nos Michael Oppenheimer, professor de geofísica na Universidade de Princeton (Estados Unidos) e um dos autores do relatório do IPCC.

Essa destruição dos recifes de corais significa, por um lado, o desaparecimento de barreiras naturais que protegem a costa da subida do mar e, por outro, entraves acrescidos para o sector da pesca — que em Tuvalu, por exemplo, é de uma importância considerável. “Estes são países com um índice de riqueza muito, muito baixo, pelo que qualquer enfraquecimento das actividades que os sustentam em termos financeiros é suficiente para os colocar numa situação de alto risco”, comenta.

Os que mudam de país por causa das alterações do clima

Michael Oppenheimer refere que, embora nem todas as nações insulares do Pacífico estejam a ser afectadas pela subida do mar da mesma forma (porque nem todas têm as mesmas características geográficas), todas ou quase todas estão numa situação delicada. Vanuatu, exemplifica o investigador, pode ter “algum terreno montanhoso”, mas parte do seu território também está “muito exposto” ao oceano. Outro exemplo: os “pontos elevados” das ilhas Fiji constituem, regra geral, localidades “menos aráveis e habitáveis”.

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Kiribati, uma nação insular de muito baixa altitude que tem vindo a ser afectada de forma severa pela subida do mar Reuters/David Gray

Ainda assim, argumenta, o cenário de Vanuatu e das ilhas Fiji não é o mais grave. Há na região do Pacífico “atóis que praticamente não têm terra alta” e “podem realmente vir a desaparecer ou ser engolidos por ondas marítimas muito altas”. É o caso de Funafuti, onde vivem 6320 habitantes, cerca de 60% da população de Tuvalu (dados de um recenseamento de 2017). Para essa nação insular, diz Oppenheimer, “pode de facto não haver alternativa a não ser o realojamento da população”.

Legalmente, ainda não existe um estatuto de refugiado climático. Mas a sua consagração vem sendo discutida. Francisco Ferreira acredita que “a questão do estatuto é sobretudo semântica e diplomática”. “Tem que ver com a renitência de muitos países e até mesmo da própria Organização das Nações Unidas, que deseja diferenciar entre migrante e refugiado. Mas de uma coisa não podemos ter dúvidas: temos visto muitos fenómenos de migração que, directa ou indirectamente, têm claramente acontecido devido às alterações climáticas. Há muitos casos de pessoas para quem, por causa da degradação do território ou de secas muito prolongadas, o clima é um factor decisivo ou de acrescento à migração”, repara.

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Pescador em Bikeman, ilha da nação insular de Kiribati Reuters/David Gray

Ioane Teitiota, natural de Kiribati, tentou tornar-se o primeiro refugiado climático oficial em 2013, quando pediu asilo ao Governo da Nova Zelândia, onde vivia desde 2007. Teitiota deixara o seu visto expirar em 2010, mas, quando consultou um advogado, este decidiu pedir não a renovação do documento, mas o estatuto de refugiado climático. A argumentação: o Governo da Nova Zelândia estaria a pôr a vida de Teitiota em risco caso o mandasse de volta para Kiribati, nação insular onde, reportava em 2019 a revista Foreign Policy, a falta de água doce está a tornar a actividade agrícola quase inviável e não há nada para se pescar no mar.​

Por considerar que, “com ajuda da comunidade internacional”, o Governo de Kiribati ainda tem tempo para tomar “medidas para proteger e, onde necessário, realojar a sua população”, o Supremo Tribunal da Nova Zelândia não aceitou o pedido de Teitiota, que em 2015 viria a ser repatriado. Mas o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas — que, quando se pronunciou sobre o caso, deu razão ao veredicto, embora também dissesse ser ilegal devolver-se aos seus países de origem pessoas cujas vidas estejam ameaçadas pelos efeitos das alterações climáticas — acabou por abrir a porta a uma futura protecção de pessoas e comunidades similarmente pressionadas pela crise climática.

Necessidade de “uma acção à escala global”

“Politicamente, muitos países não contemplam (ou não querem contemplar) a ideia de refugiado. Mas acho que é uma questão de semântica e que, mais cedo ou mais tarde, vamos ter de evoluir para essa classificação”, reforça Francisco Ferreira, dizendo que “os números anuais de pessoas que têm de se realojar devido à subida do mar continuam a aumentar”.

Segundo um relatório recente da Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, muitos dos “30,7 milhões de pessoas” que tiveram de se realojar em 2020 estavam “a fugir de cheias, secas ou ondas de calor”. O Banco Mundial diz ser provável que, ao longo das próximas três décadas, mais de 200 milhões de pessoas venham a ter de migrar devido a fenómenos meteorológicos extremos (ou à lenta degradação dos territórios onde residem actualmente).

Para este cenário ser combatido, defende Francisco Ferreira, há que haver “uma acção à escala global”. O presidente da Zero diz taxativamente que as metas relativas ao Acordo de Paris, assinado em 2015 — ano em que as nações desenvolvidas se comprometeram, a partir de 2020 e até 2025, a mobilizar cem mil milhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento a fazer frente aos efeitos da crise climática —, “ainda não foram atingidas”. “Estamos aquém de um financiamento que é fundamental para minimizar os danos que estão a devastar ilhas como as do Pacífico”, sintetiza, salientando que, mesmo com apoios corpulentos, a recuperação não será fácil.

“O clima é altamente resiliente”, adverte Francisco Ferreira. “Mesmo que as emissões de CO2 parassem todas hoje, continuaríamos a ver impactos significativos (e crescentes) até ao fim do século.” Daí a importância de uma acção imediata. “Se não fizermos nada em relação ao aquecimento global e permitirmos que a situação se arraste, o desaparecimento de determinados territórios será uma inevitabilidade.”