Crise climática está a fazer de 2022 um ano de calor e inundações

Cientistas analisaram os eventos climáticos das últimas duas décadas. Os resultados reiteram o que já sabíamos: a crise do clima está a mudar o planeta para pior. Mas ainda falta compreender melhor como estas mudanças influenciam a seca e os incêndios florestais.

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Uma menina carrega o irmão enquanto caminha por uma estrada inundada após fortes chuvas, nos arredores de Agartala, Índia Jayanta Dey/Reuters
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Vista aérea mostra casas danificadas e detritos na praia, na sequência do ciclone Batsirai, em Mananjary, Madagáscar Alkis Konstantinidis/Reuters
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Mulheres caminham junto a um termômetro exibindo 47 graus Celsius durante a primeira onda de calor do ano em Sevilha, Espanha Marcelo del Pozo/Reuters
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O leito do rio Loire em Ancenis-Saint-Gereon, França, está ressequido Stephane Mahe/Reuters
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Carros param diante de uma área inundada em Vohiparara, Madagáscar, na sequência da passagem do ciclone Batsirai Christophe Van Der Perre/Reuters

Eventos climáticos extremos – desde ondas de calor escaldantes a chuvas excepcionalmente fortes – causaram dificuldades em todo o mundo este ano, com milhares de pessoas mortas e milhões de deslocados. Nos últimos três meses, chuvas de monção provocaram inundações desastrosas em Bangladesh e ondas de calor brutais queimaram partes do sul da Ásia e da Europa. Enquanto isso, a seca prolongada deixou milhões à beira da fome na África Oriental. Muito disso, dizem os cientistas, é o que se espera das mudanças climáticas.

Esta terça-feira, um grupo de investigadores na área do clima publicou um estudo na revista científica Environmental Research: Climate. Os cientistas analisaram o papel que a mudança climática desempenhou em eventos climáticos individuais nas últimas duas décadas. As descobertas confirmam os alertas de como a crise climática mudará o planeta - e também deixam claro quais as informações que estão a faltar no puzzle do clima.

No que toca a ondas de calor e chuvas extremas, “descobrimos que temos uma compreensão muito melhor de como a intensidade desses eventos está a mudar devido às mudanças climáticas”, disse o co-autor do estudo Luke Harrington, cientista climático da Universidade Victoria em Wellington. Contudo, ainda precisamos compreender melhor como é que as mudanças climáticas influenciam a seca hidrológica e os incêndios florestais.

No artigo de revisão, os cientistas basearam-se em centenas de estudos que tentaram estabelecer uma relação de correlação entre as mudanças do clima e os fenómenos extremos. O trabalho também recorreu a pesquisas que visam calcular como as mudanças climáticas afectaram um evento extremo usando simulações de computador e observações meteorológicas.

Porém, os autores reconhecem que ainda há grandes lacunas de dados em muitos países de baixa e média renda, tornando mais difícil entender o que está a acontecer nessas regiões, disse a co-autora Friederike Otto, uma das climatologistas que lideram a colaboração internacional de pesquisa World Weather Attribution (WWA).

Ondas de calor

Com as ondas de calor, é altamente provável que as mudanças climáticas estejam a piorar as coisas. “Praticamente todas as ondas de calor em todo o mundo se tornaram mais intensas, e mais frequentes também, ​devido às mudanças climáticas”, disse o co-autor do estudo Ben Clarke, cientista ambiental da Universidade de Oxford. Uma onda de calor que anteriormente tinha uma probabilidade de 1 em 10 de ocorrer agora é quase três vezes mais provável – e atinge temperaturas cerca de 1 grau Celsius mais alta – do que seria sem as mudanças climáticas.

Uma onda de calor em Abril que viu o mercúrio subir acima de 50 graus Celsius na Índia e no Paquistão, por exemplo, foi 30 vezes mais provável pelas mudanças climáticas, de acordo com a WWA.

As ondas de calor no Hemisfério Norte em Junho - da Europa aos Estados Unidos - também confirmam “claramente o que nosso artigo de revisão mostra: [...] a frequência das ondas de calor aumentou muito”, disse Otto.

Chuva e inundações

Na semana passada, a China testemunhou extensas inundações, na sequência de fortes chuvas. Ao mesmo tempo, Bangladesh foi atingido por um dilúvio que desencadeou inundações. De um modo geral, episódios de chuvas fortes estão se tornando mais comuns e mais intensos. Isso ocorre porque o ar mais quente retém mais humidade, então as nuvens de tempestade são “mais pesadas” antes de acabarem por eclodir. Ainda assim, o impacte varia de acordo com a região, com algumas áreas que acabam por não receber chuva suficiente, refere o estudo.

Seca

Os cientistas têm mais dificuldade em explicar como as mudanças climáticas afectam a seca. Algumas regiões sofreram seca contínua. Temperaturas mais quentes no oeste dos EUA, por exemplo, estão a derreter a camada de neve mais rapidamente e a impulsionar a evaporação, disse o estudo. Embora as secas da África Oriental ainda não estejam directamente ligadas às mudanças climáticas, os cientistas dizem que o declínio na estação chuvosa da primavera está ligado às águas mais quentes do Oceano Índico. Isso faz com que as chuvas caiam rapidamente sobre o oceano antes de chegar ao Corno de África.

Incêndios

As ondas de calor e as condições de seca também estão a agravar os incêndios florestais, principalmente os incêndios de grandes dimensões - aqueles que queimam mais de 100.000 acres. Nos registos mais recentes, consta o fogo que atingiu o estado norte-americano do Novo México em Abril, após uma queima controlada sob “condições muito mais secas do que o reconhecido” ter ficado fora de controlo, de acordo com o Serviço Florestal dos EUA. Os incêndios queimaram 341.000 acres.

Ciclones tropicais

Numa escala global, a frequência de tempestades não aumentou. No entanto, os ciclones agora são mais comuns no Pacífico central e no Atlântico Norte, e menos na Baía de Bengala, no oeste do Pacífico Norte e no sul do Oceano Índico, concluem os cientistas. Também há provas de que as tempestades tropicais estão a tornar-se mais intensas e até avançando por terra , onde podem produzir mais chuva e mais danos numa região isolada. Portanto, constata o estudo, embora a mudança climática possa não ter tornado, por exemplo, o ciclone Batsirai mais provável de se ter formado em Fevereiro, é possível que o tenha tornado mais intenso e destrutivo, capaz de destruir mais de 120.000 casas quando atingiu Madagáscar.

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