Não me peças para brincar!

Brincar dá muito trabalho! Exige muito mais esforço do que engomar, cozinhar ou arrumar coisas. Exige que estejamos presentes de corpo e alma.

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@DESIGNER.SANDRAF

Querida Mãe,

Sabe aquela sensação de quando estamos cansados, nem sequer é exaustos, só o cansaço normal do dia-a-dia, e um dos nossos filhos se chega perto de nós, e com o ar mais querido do mundo, nos mostra um carrinho e nos pede: “Podes brincar comigo?”

Sem birras, nem gritos, o pedido mais razoável de todos, um pedido para fazer exatamente aquilo que passamos a vida a incitá-los a fazer — “Vai brincar, não estejas p’raí a ver televisão”, “Tens tantos brinquedos, aproveita!” — e, no entanto, a última coisa que nos apetece é brincar com ele?

Porque brincar dá muito trabalho! Exige muito mais esforço do que engomar, cozinhar ou arrumar coisas. Exige que estejamos presentes de corpo e alma, exige ligar a imaginação, a escuta do outro, exige responder aos desafios daquele com quem brincamos, exige soltar o riso, fazer vozes e largar o medo do ridículo. E nós, lá do fundo da nossa carapaça feita de preocupações, de deadlines, da nossa pose de gente crescida, gememos um Não. Porque, naquele momento, nos parece impossível.

Mãe, tantas e tantas vezes não consigo. Fico a morrer de culpa, mas lá invento uma “coisa mesmo importante que tenho que fazer”, mas nas vezes em que tento, em que consigo entrar na brincadeira, acontece sempre a coisa mais extraordinária do mundo.

Passo a explicar-lhe:

Primeiro sinto-me longe, desligada, aborrecida. Mas se aguentar esse desconforto e não desistir, subitamente encanto-me com uma ideia de um deles. De repente solto uma gargalhada quando ele ao perceber que não me estou a empenhar o suficiente em seguir os seus planos me diz “Mãe, agora a fingir que não fazias isso”. Então, sai-me um plano, o pirata Playmobile que tenho na mão rapta o barco, entusiasmo-me, deixo-me ir e quando dou por isso estou tão envolvida quanto ele. Saio dali a sentir-me outra. A cara e o corpo mais solto, a alma mais leve, os pensamentos menos obsessivos. Hum... não é a vantagem que advogam de ir ao ginásio? Que custa ir, mas faz maravilhas?

Pois é, mãe, ainda há quem diga em tom depreciativo que os miúdos “Só estão a brincar”... Se soubessem o “trabalho” que dá brincar, as maravilhas que se passam durante o processo, e o que aprendem, nunca mais ousavam comparar qualquer emprego ou doutoramento a esta arte que, infelizmente, vamos esquecendo à medida que crescemos!

A mãe sabe mesmo brincar? Qual é a sua brincadeira preferida?


Querida Ana,

Os teus filhos têm uma sorte extraordinária, porque nunca brinquei com vocês, a verdade é essa. Fiz coisas divertidas convosco, muitas, mas parece-me que, enquanto mãe, nunca me consegui libertar dessa carapaça de que falas. Para brincar assim é preciso mesmo arrumar as preocupações e criar uma clareira mental onde nos podemos entregar, sem estar a pensar no que devíamos estar a fazer de mais útil naquele tempo.

Mas é por isso que gosto tanto de ser avó, porque enquanto avó é outra coisa. Quando me sento no chão a brincar com a M. e invento a voz da irascível Princesa Ervilha que exige que lhe façam a cama pela milionésima vez ou, durante a noite, tricoto uma ratinha cor-de-rosa que rói vestidos de meninas, porque também quer ter um guarda-roupa mais variado, e antecipo como me vou divertir com elas no dia seguinte, sinto estes “sintomas” de que falas. Tenho, mesmo assim, a consciência de que isto só acontece porque sei que aquele tempo com os netos é finito, e que depois vou ter muito tempo para brincar sozinha. É verdade que vamos perdendo a capacidade de brincar mas parece-me, também, que tantos pais estão tão sobrecarregados que não têm tempo para si, para recarregar as próprias baterias, tornando-os mais disponíveis para abrirem mão dos seus momentos de sossego/prazer.

E, Ana, confesso-te que me assusta que os pais pensem que é uma “obrigação” brincar com os filhos, mesmo quando não lhes apetece. Pior ainda quando têm uma falsa ideia de brincadeira e imaginam que é um tempo didático que tem por objetivo torná-los mais “precoces”, ou melhores alunos. Se largarem essa pretensão, e seguirem as deixas dos filhos, provavelmente vão ter muito mais vontade de brincar.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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