As notícias sobre a morte do direito internacional são claramente exageradas

Olhando a realidade, e indo para além da espuma dos dias, constata-se que o direito internacional, precisamente por causa da gravidade do ilícito russo, é útil e é indispensável.


Com o eclodir de um conflito, é quase certa uma série de “elogios fúnebres” do direito internacional, decretando a sua irrelevância, incapacidade ou até mesmo inexistência.

A agressão armada em larga escala lançada pela Rússia contra a Ucrânia não tem sido exceção, nem seria de esperar outra tendência.

Não procurarei convencer ninguém rebatendo os argumentos normalmente apresentados, nem se trata, claro, de diminuir a gravidade do comportamento ilícito russo.

Pelo contrário, olhando a realidade, e indo para além da espuma dos dias, constata-se que o direito internacional, precisamente por causa da gravidade do ilícito russo, é útil e é indispensável.

Desde logo, como disse tão bem António Guterres, aplica-se no teatro de operações o direito internacional humanitário, aquele que pauta a condução das hostilidades, limitando e regulando os meios de combate e protegendo os mais vulneráveis. Este é o reduto da humanização possível, lá onde nos parece impossível que possa existir. E se não existissem regras como a distinção entre civis e combatentes? E entre alvos legítimos e ilegítimos? Ou sobre a imunidade das pessoas e alvos civis?

As regras existem. E quando são violadas, há consequências.

Por outro lado, as “reações” da UE, da NATO, dos Estados Unidos e de tantos outros têm a sua justificação no direito internacional. A especial gravidade da agressão russa e a natureza da norma violada (trata-se de uma norma devida à comunidade internacional no seu conjunto) resulta nesta multilateralização, que o direito desenhou, que coloca a Rússia contra todos (ou quase).

Depois, o direito de os Estados reagirem (de “nós” reagirmos), não significa carta branca para atingirmos, de modo indiscriminado e desproporcionado aqueles que estão sob jurisdição do Estado russo. De facto, para o direito internacional, os direitos de cada pessoa não dependem da “lotaria” do regime do país em que nasceram, e aquelas a que de forma imprópria temos chamado “sanções” devem, tanto quanto possível, atingir individualmente (pessoalmente) os infratores.

Também aqueles que fogem por causa do conflito têm a proteção assegurada pelo direito internacional dos refugiados. A Convenção de Genebra de 1951, tantas vezes apelidada de “velhinha” e desajustada à realidade e aos desafios contemporâneos, adquire uma atualidade tristemente evidente, mesmo na sua interpretação mais literal.

Finalmente, o comportamento agressivo russo, “mais recente” facto de uma sucessão de acontecimentos nas relações internacionais (e que não envolvem apenas a Rússia, mas os Estados Unidos, a Europa ou a China), tem sido apontado, por muitos, como um momento crítico na História, de mudança de poder. Ora, é nesse contexto que, se compreendermos o direito internacional na sua estreita (e desejável) conexão com a política e as relações internacionais, não faz sentido lançar um debate estéril, ultrapassado e sem correspondência com a realidade sobre a alegada inutilidade do direito internacional.

É na linguagem comum do direito internacional que se acomodam legítimos interesses egoísticos e comunitários. É nela que os Estados, com as suas diferenças evidentes, com disputas e controvérsias, podem almejar viver em Paz.

Em paz. Não é isso que todos desejamos?

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