Tubarões na berlinda

A petição Stop Finning! Stop the Trade! juntou mais de 1.200.000 assinaturas em dois anos, metade das quais nas últimas três semanas, para acabar com a comercialização de barbatanas de tubarão vindas da Europa.

Quando dizia aos meus colegas futuros biólogos marinhos, amigos e familiares que queria estudar tubarões, há mais de 30 anos, as respostas que recebia invariavelmente incluíam expressões como “está doido”, “besta assassina”, “bicho horrível” e afins. Quem diria que, três décadas mais tarde, os tubarões atingiriam o estatuto de animal “fofinho”, equiparável ao dos pandas, coalas, golfinhos e até as orcas, que nem com umas valentes marradas em lemes de veleiros conseguem sair deste exclusivo grupo de animais que merecem a nossa atenção e carinho?

Mas o percurso para chegar a este ponto de boa vontade por parte do público foi tudo menos linear e faz-me recordar um tweet famoso de Elon Musk, no qual dizia: “Trabalho 16 horas por dia, sete dias por semana, 52 semanas por ano e ainda há quem diga que eu tive sorte.”

Comecemos pelo fim, que foi o mais recente sucesso na conservação destes animais, ou seja, a impressionante iniciativa de cidadãos Stop Finning! Stop the Trade! que juntou mais de 1.200.000 assinaturas em dois anos, metade das quais nas derradeiras três semanas. Tudo parecia perdido por volta do Natal, com meio milhão de assinaturas confirmadas, mas outro meio milhão a separar-nos do objectivo final, que também incluía necessariamente sete países que tivessem atingido a sua quota de assinaturas, sendo que apenas França, Portugal, Espanha, Alemanha e Áustria o tinham feito até então.

De repente, contra todas as expectativas, os fãs de tubarões germânicos atacaram esta petição com um ímpeto fulminante e, em menos de nada, adicionaram 300 mil, o que nos colocou a menos de 200 mil assinaturas do almejado milhão. Este vosso criado já se tinha dedicado a esta tarefa com intenso vigor no início da pandemia, quando estávamos todos confinados. Gosto de pensar que esse esforço nos levou a atingir a quota portuguesa de aproximadamente 15 mil assinaturas em pouco tempo, mas, como diz Elon Musk, nada disso teria sido conseguido sem muitas horas em frente ao computador. Minhas e de todos os que assinaram e partilharam a mensagem.

Dois anos depois, a intensidade de recolha de assinaturas germânicas impeliu-nos a voltar ao assunto com energia redobrada, desta vez com alvos específicos diários, que foram os vários países da União Europeia que ainda não tinham atingido a sua quota. Surpreendentemente, os apelos nas redes sociais, que pediam a colaboração dos nossos amigos holandeses, italianos, irlandeses e afins, começaram a abater estes limites que nem tordos… Hungria, Holanda, Itália, Bélgica, Croácia, Malta, Irlanda, República Checa, Luxemburgo, Finlândia e Grécia, um a um, todos foram atingindo os seus limites mínimos, o que ultrapassou – e muito – o limite de sete países.

Mas que significa, na prática, este tremendo esforço, para a conservação dos tubarões? Pois bem, ditam as regras destas “iniciativas de cidadãos” que, uma vez atingidos os ditos objectivos (um milhão de assinaturas e sete países com a sua quota de assinaturas), a Comissão Europeia terá de dedicar alguma atenção ao assunto, o que não significa necessariamente que seja elaborada alguma regulamentação nova. Na prática, a remoção de barbatanas de tubarão – e rejeição da carcaça – a bordo de embarcações de pesca já é proibida desde o Regulamento (EU) Nº 605/2013, mas a União Europeia continua a ser um dos principais exportadores para o mercado asiático, pelo que o grande objectivo desta medida é travar precisamente esse comércio.

Mais de um milhão de assinaturas é um sinal claro de que os cidadãos europeus não estão com vontade de continuarem a sustentar este negócio tétrico, motivo pelo qual múltiplas organizações irão, agora, dar início ao cansativo – frequentemente frustrante – trabalho de lobbying, que visa persuadir membros da classe dirigente de que ganharão mais votos apoiando a vontade do público não-pescador do que se continuarem a dar ouvidos à classe piscatória.

Reparem que estas linhas não pretendem demonizar os profissionais da pesca, que lutam contra circunstâncias bem difíceis há demasiado tempo. Essas adversidades incluem, entre tantos outros episódios, um encorajamento desenfreado para modernizar a frota, o que significou abater embarcações velhas e pequenas, que foram substituídas por navios modernos e maiores, com uma capacidade de captura vastamente superior à das embarcações abatidas. Por outras palavras, temos menos barcos, mas a quantidade de peixe que capturam – ou melhor, que precisam de capturar para serem rentáveis – é vastamente superior. Este facto, aliado a uma diminuição gritante na esmagadora maioria dos stocks de pesca, ditou que os pescadores se vêm confrontados regularmente com a impossibilidade de pescarem o suficiente para pagarem as contas. Este cenário, naturalmente, leva a excessos e prevaricações. E é por isso que, apesar da proibição de se cometer a prática de finning que se conseguiu com o supra-mencionado Regulamento (EU) Nº 605/2013, pontualmente temos episódios tristes como o de Janeiro de 2021, em que foram apreendidas várias barbatanas sem tubarões capturados em Portugal.

Mas voltemos aos próximos passos, que envolvem um trabalho afincado de organizações como a Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios (nome técnico de tubarões e raias), que anda nesta guerra desde 31 de janeiro de 1997, ou seja, há 25 anos, celebrados precisamente no deadline imposto pela iniciativa Stop Finning! Stop the Trade! Destacam-se ainda as mais recentes Sharks Educational Institute, Loving the Planet, Sea Shepherd Portugal e, claro, os media, que nos têm dado uma visibilidade muito necessária.

Mas esta luta que começou há muitos anos não tem sido fácil. Para além de uma imensidão de palestras dadas e artigos escritos ao longo destes anos, contam-se ainda incontáveis reuniões com membros da classe dirigente, umas em Lisboa e outras em Bruxelas. Destaquemos ainda a recente votação histórica que garante um Plano de Acção para os Tubarões em Portugal e, claro, a retumbante vitória que foi a protecção dos tubarões-anequins, Isurus oxyrinchus, até final de 2023.

Ou seja, se os tubarões beneficiam hoje de cada vez mais protecção, isso não aconteceu acidentalmente e deveu-se a muitas, mas mesmo muitas, horas de trabalho por parte de muita e muita gente. Por isso aqui fica um agradecimento especial a todos os amigos dos tubarões. Contamos convosco para as próximas conquistas!

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