Investigadores portugueses querem pôr fim à pesca do tubarão-anequim

Depois da sardinha, segue-se a recomendação dos especialistas para as capturas de uma espécie de tubarão. Caso a pesca de tubarão-anequim no Atlântico não seja proibida já no próximo ano, a espécie enfrenta aí ameaça de extinção.

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O tubarão-anequim vive em águas temperadas do Atlântico, do Mediterrâneo e do Pacífico Neil Hamerschlag/Universidade de Miami

O tubarão-anequim (Isurus oxyrinchus), também conhecido por tubarão-sardo, poderá desaparecer do Atlântico, caso a pesca desta espécie não seja aí proibida já a partir de Janeiro de 2018, alerta uma equipa de investigadores portugueses, que recolheu e analisou os dados da última década de descargas de tubarões e raias em Portugal.

Entre 2005 a 2009, foram monitorizados por satélite mais de 100 tubarões de seis espécies pelágicas (do mar alto) no Atlântico Norte. E descobriu-se que cerca de 80% da distribuição do tubarão-azul e do tubarão-anequim, as duas espécies mais intensamente exploradas, se sobrepõe à das frotas pesqueiras portuguesa e espanhola. Os autores deste estudo, publicado em 2016 na revista científica “Proceedings of the National Academy of Sciences” (“PNAS”), defenderam então a definição de quotas, tamanhos mínimos e outras medidas de gestão pesqueira.

Agora, uma equipa de investigadores portugueses alerta para os perigos da pesca em excesso de tubarões e raias no Atlântico e manifesta preocupação, sobretudo com a ameaça de extinção que o tubarão-anequim enfrenta neste oceano – e que a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza confirma, com a atribuição do estatuto de “vulnerável”. A espécie está, então, em “risco elevado de extinção na natureza”.

Os tubarões, de vida longa e maturações tardias, são particularmente susceptíveis à pesca intensa. “Os anequins necessitam de ser protegidos e é necessária uma reforma na fiscalização deste sector”, defende ao PÚBLICO Luís Alves, investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente do Instituto Politécnico de Leiria (IPLeiria).

Além disso, como a maioria desempenha papéis-chave como principais predadores oceânicos, a pesca em excesso de tubarão também pode causar desequilíbrios nos ecossistemas marinhos. “Estes animais contribuem para a biodiversidade marinha, eliminando animais fracos ou doentes e impedindo que certas espécies se multipliquem desenfreadamente”, afirma Luís Alves. E acrescenta que os tubarões são também, por exemplo, excelentes indicadores de contaminação marinha, uma vez que acumulam bastantes poluentes no seu organismo.

O novo estudo – do IPLeiria, da Universidade de Lisboa e da Associação Portuguesa para o Estudo e Conservação de Elasmobrânquios (APECE) – já foi apresentado na conferência científica da Associação Europeia de Elasmobrânquios, no mês passado em Amesterdão.

Os dados apresentados reflectem uma redução drástica das descargas de toneladas de tubarão-anequim por ano. De 2013 para 2014, passou-se de 500 toneladas para menos de 100 toneladas por ano, valor que se manteve até 2016.

“A diminuição de descargas, por si só, não chega para dar certezas desta sobrepesca, uma vez que os barcos que descarregavam em Portugal podem ter, por exemplo, passado a descarregar em Espanha, mas parece estar de acordo com os diversos comunicados que têm estado a ser tornados públicos por outros cientistas”, explica o investigador, que também é presidente da APECE. “O problema da falta de fiscalização e gestão da pesca de anequins é real e tem de ser resolvido.”

Do anequim à sardinha

De acordo com o relatório mais recente (de Outubro deste ano) da Comissão Internacional para a Conservação dos Atuns (ICCAT, na sigla em inglês), se for permitido capturar apenas 500 toneladas (ou menos) por ano de tubarão-anequim do Atlântico Norte, há 75% de probabilidades de acabar com pesca em excesso em 2018. Mas, ainda assim, apenas 35% de hipóteses de recuperar o stock até 2040.

Mesmo que as capturas sejam reduzidas para zero, o parecer do ICCAT refere que a população de anequins do Atlântico Norte só terá cerca de 50% de hipóteses de apresentar sinais de recuperação em 2040. Além disso, recomendam-se medidas adicionais que podem ajudar a reduzir mortes acidentais, como restrições à pesca em certas zonas e durante certo tempo, manuseio seguro e melhores práticas para a libertação de espécimes vivos.

O parecer do ICCAT segue-se às recomendações para outra espécie – neste caso, a sardinha – dos especialistas do Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES, na sigla em inglês). A 20 de Outubro, o ICES propôs a proibição total da pesca da sardinha em Portugal e Espanha no próximo ano. Mas Portugal quer que se pesquem até 14 mil toneladas.

“Quando capturados à linha, muitas vezes os anequins ainda estão vivos e portanto, se a quota fosse zero, a não captura e libertação talvez permitisse uma recuperação”, refere o investigador Nuno Queiroz, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, no Porto, que é o autor principal do estudo publicado o ano passado na PNAS. “Não há actualmente nenhuma medida de gestão em Portugal. Nem em Portugal nem em país algum.”

Portugal é o terceiro maior exportador e o quinto maior importador da Europa de carne de tubarão. E, a par de Marrocos e Espanha, um dos maiores pescadores de tubarão-anequim, cuja carne chega a atingir em lota valores semelhantes aos do espadarte, cerca de cinco a seis euros por quilo. Mas continua sem impor quaisquer quotas ou tamanhos mínimos de captura – a única condição é a proibição da remoção das barbatanas de tubarão e do descarte do resto do corpo, ainda vivo, no oceano.

A equipa de investigadores portugueses, liderada por Luís Alves, espera que os dados já conhecidos sejam usados na próxima reunião do ICCAT – que começa amanhã, 14 de Novembro, em Marrocos –, para promover a protecção de elasmobrânquios, peixes cartilaginosos, que incluem não só o tubarão-anequim como outras espécies de tubarões e também raias. “E recomendar que os Estados, incluindo o português”, salienta o IPLeiria em comunicado de imprensa, “proíbam a pesca de tubarão-anequim já a partir de Janeiro, sob pena desta espécie se extinguir num futuro próximo”.

Texto editado por Teresa Firmino

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