A dinâmica da vitória está do lado do PSD, mas tudo é possível

Apesar da campanha errática, em que a descolagem da realidade foi evidente, António Costa pode beneficiar de algum voto útil da esquerda – nomeadamente de antigos votantes do Bloco de Esquerda.

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Chegados ao fim da campanha, a dinâmica da vitória parece estar do lado do PSD. Contra todas as probabilidades, sondagens, analistas, comentadores, metade do PSD e vox populi, Rui Rio pode muito bem vir a ser o próximo primeiro-ministro de Portugal. Não porque lhe tenham corrido bem os debates, o que não aconteceu; não porque tenha conseguido distanciar-se o suficiente do “Chega”, o que não fez – tirando neste último dia de campanha. Não porque se tenha percebido o que quer fazer com a Segurança Social ou o SNS (disse uma coisa, depois outra e depois negou o que disse).

A única explicação só poderá estar no cansaço dos portugueses com a governação socialista – seis anos é muito tempo – e com a figura de António Costa. Ao usar o seu gato como elemento semiológico da persona que tinha para apresentar na campanha (o homem igual aos outros, identificável pelos portugueses como se fosse o vizinho do lado, aquele que até achava que as campanhas se deviam fazer com “algum humor”), Rui Rio humanizou-se.

Não precisou de andar com a mulher permanentemente ao lado, como fez António Costa. Zé Albino – nas palavras de Rio, que desta vez se serviu do “humor” como elemento de combate eleitoral – foi uma “figura central da campanha”. Por absurdo que possa parecer, é um facto que se transformou em “figura central”. Cumpriu um papel, afastar de Rui Rio a imagem de contabilista alemão.

Se a dinâmica da vitória parece estar do lado do PSD, o PS pode ainda vir a ser o partido mais votado, embora provavelmente por poucos – eventualmente aqueles dois pontos que separaram a vitória de Durão Barroso da derrota de Ferro Rodrigues em 2002. António Costa começou a campanha da pior maneira possível – a humilhar os antigos parceiros (autodestruindo em simultâneo a herança dos seus últimos anos) e a reclamar para o PS uma maioria absoluta que só ele descortinava nas estrelas. As sondagens obrigaram-no a corrigir o rumo, a deitar ao lixo o discurso da maioria absoluta e a já não excluir a “geringonça” – embora a roupagem da segunda semana de campanha do PS (o “falar com todos”) abra espaço para os entendimentos com o PSD que Rui Rio tanto pediu.

Apesar da campanha errática, em que a descolagem da realidade foi evidente, António Costa pode beneficiar de algum voto útil da esquerda – nomeadamente de antigos votantes do Bloco de Esquerda. O facto de o clima, na véspera das eleições, ser de total incerteza, reforça ainda mais a possibilidade do voto útil, vantagem de que não gozou Fernando Medina, em que boa parte de votantes tradicionais do PS deram a maioria absoluta como garantida.

Se o PS for o partido mais votado, mas não houver maioria de esquerda, a aliança com o PSD “à Guterres” será o futuro provável. Se o PS for o partido mais votado mas houver uma maioria de esquerda, a aliança com o PSD continuará a ser o cenário mais previsível – a menos que qualquer dos partidos estivesse disposto a refazer a “geringonça” desde as suas fundações, não é nada claro que seja possível voltar ao lugar onde uns foram felizes e outros até acabaram infelizes.

Se o PSD ganhar sem maioria de direita – excluindo a negociação com o Chega – o PS aprova-lhe dois orçamentos. António Costa demite-se, Pedro Nuno Santos deverá ser o sucessor, mas não vai obstaculizar durante algum tempo a governação do PSD. Só algum. Não haverá “geringonça” com Pedro Nuno Santos sem eleições e sem que essa proposta seja apresentada claramente ao eleitorado. Não existindo maioria de direita, daqui a dois aninhos o país estará outra vez em eleições, ao mesmo tempo que António Costa deverá estar a ser nomeado para o famoso cargo europeu que muitos já antecipam há algum tempo.

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