As mães não têm direito a ficar doentes?

Esta birra toca-me fundo, já que estou constipadíssima e a precisar de tirar o dia! É mesmo isso, seja qual for a interpretação que se faça do anúncio é péssima!

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"Não me considero vidrada no politicamente correcto, mas qual é a mensagem?" @designer.sandraf

Ana,

Envio-te um anúncio para comentares, mas antes um preâmbulo: um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre os jovens portugueses dos 15 aos 34 anos (toda uma vida!) revelou que 57% vivem em casa dos pais, e que 72% afirmam que a mãe é que faz tudo por lá. Mas em mexendo os inquilinos uma palha, são sempre mais elas do que eles. Com tão bons exemplos, pouco admira que nos jovens casais a divisão de tarefas domésticas continue a ser muito desigual, mais ainda quando existem filhos.

Dito isto, vamos à publicidade em causa.

Uma mãe espirra e assoa-se, olheiras fundas e o nariz de rena. É neste estado que se dirige ao quarto da sua “princesa” para lhe anunciar que se sente tão mal que vai “tirar o dia”. Aí ouve-se uma voz masculina, supostamente do Altíssimo, mas eventualmente a do marido, que lhe diz que esqueça lá isso, porque basta tomar um comprimido e fica como nova para voltar ao serviço. Da criança, e do lar doce lar, presume-se.

Não me considero vidrada no politicamente correcto, mas qual é a mensagem? Que as mães não têm direito a ficar doentes? Que da próxima vez que estiverem a cair para o lado a sua solícita criancinha ou querido marido lhe vai passar uma caixa de pílulas mágicas e dizer-lhe: “Já passou!”

Explica-me o que vai na cabeça desta gente?


Querida mãe!!!

Esta birra toca-me fundo, já que estou constipadíssima e a precisar de tirar o dia! É mesmo isso, seja qual for a interpretação que se faça do anúncio é péssima! Porque repare:

Hipótese a) A voz é a do marido e reforça exatamente essa ideia de que a mulher tem mais é que mascarar sintomas e seguir caminho, que aqui não há espaço ou tempo para queixas.
Hipótese b) A voz é a sua voz interna! Quantas vezes é que somos nós próprias a criticar-nos por querer tirar o dia e a fazer tudo o que for possível para não falhar no nosso papel de mãe.

É que, se ainda fosse “Peça descanso, mas tome o remédio para se sentir melhor o suficiente para desfrutar desse bocadinho com os seus filhos”, ainda vá, mas esta ideia de que “parar é pecado” está disseminada por todo o lado na nossa sociedade. E a que custo?

Faz-me lembrar um post cómico que vi no outro dia que era assim:

— Querido, queria ir deitar-me, porque me estou a sentir mal, mas a casa está um caos!
— Ó querida, não te preocupes com isso...
— Ah, obrigada, meu amor!
— O caos pode esperar até te sentires melhor para tratares dele.

E só um pequeno lembrete para nós, mãe e avós, que achamos que estamos a ser super-heroínas quando aguentamos estoicamente as tarefas domésticas ou as doenças: é mesmo esse o exemplo que queremos dar aos nossos filhos? Queremos que assumam essa “voz”, a de que se limita a receitar um comprimido, em lugar de assumir a sua quota-parte da responsabilidade?


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.

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