Como ser e sentir a criança na sociedade actual

São adultos ansiosos, frios, pouco empáticos, egocêntricos que queremos num futuro não muito distante? Neste sábado celebra-se o Dia Internacional dos Direitos da Criança.

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As crianças devem ter direito ao seu tempo para ser e estar Francisco Romao Pereira/Arquivo

A origem do Dia Internacional dos Direitos da Criança é bastante clara e significativa: foi a 20 de Novembro de 1959 que se proclamou mundialmente a Declaração dos Direitos das Crianças e a 20 de Novembro de 1989 que se adoptou a Convenção sobre os Direitos da Criança. O objectivo da data é salientar e divulgar os direitos das crianças de todo o mundo. Este dia remete-nos para uma reflexão profunda e urgente no que diz respeito aos interesses básicos da criança e de como a nossa sociedade actual está organizada, condicionado muitas vezes o tempo de qualidade que as famílias dedicam aos filhos

Vivemos numa sociedade competitiva, e não existe problema nenhum em preparar as crianças para lidar com ela, desde que seja respeitado o maior e mais importante direito da infância: ser criança.

Estaremos a privilegiar o ter em detrimento do estar e do ser? Quais os limites entre a preparação e a competição? Será que estamos a preparar crianças que sabem lidar com as suas emoções, com os seus fracassos, frustrações? Estaremos a ensiná-las a lidar consigo próprias?

Na nossa opinião estas necessidades pessoais devem vir antes das do mundo. Cada vez mais assistimos a crianças que são adultos em miniatura, de tal forma que os pais precisam de agenda para gerir e conjugar os tempos da família. É este o caminho? São adultos ansiosos, frios, pouco empáticos, egocêntricos que queremos num futuro não muito distante?

A “adultização precoce” das crianças deveria ser o Lobo Mau da vida da criança. Vemos, cada vez mais famílias a fazerem da criança o motor da engrenagem familiar, tudo é organizado, planeado e executado de acordo com a agenda desta. À segunda é judo, à terça é natação, à quarta ioga e meditação, à quinta inglês, à sexta robótica e ao fim-de-semana as visitas aos museus e exposições, dos quais se tenham falado durante a semana no grupo de WhatsApp criado com os outros pais da escola.

Estão cansados? Nós também!!! Imaginem a criança que é sujeita a uma agenda destas, talvez conheçam casos idênticos. Onde sobra tempo a esta criança para ser criança? Onde fica o tempo para brincar, explorar, imaginar e até para se aborrecer? Pensamos que nós, educadores e professores, temos a obrigação de despertar e sensibilizar as famílias para este tema.

A criança precisa de tempo para si própria e é ao adulto que cabe arranjar esse tempo. Não queremos com isto dizer que temos de nos imiscuir na gestão da vida familiar dos nossos alunos, mas antes que devemos estar atentos. Devemos, na nossa prática, reservar tempo para que a criança aprenda a estar consigo, que possa desfrutar livremente do espaço que a rodeia.

Isto não significa que somos negacionistas da competição, nada disso, até não gostamos de perder, nem a feijões! Não achamos que a competição seja prejudicial, pelo contrário, na medida certa alavanca níveis colectivos e individuais. Parece-nos saudável que quando a criança sobressai nalguma área lhe seja dado ênfase desde que não gere sobrecarga.

O mundo da fantasia, criado pela criança nos momentos consigo própria, permite-lhe inventar, vivenciar e ser o que quiser. Estes momentos funcionam como uma bolha de oxigénio onde a criança se vai renovar e preparar para o mundo real. A família e os adultos de referência devem permitir e estimular estes momentos. Devem ser e fazer parte dos mesmos, mostrando disponibilidade e capacidade de ouvir e, acima de tudo, de escutar o que diz o seu coração.

Como tão bem sabemos e dizia Antoine de Saint- Exupéry, “o essencial é invisível aos olhos”.

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