As opiniões dos jovens contam? Não, dizem 80% dos inquiridos pela Unicef

O projecto Eu Tenho Voto na Matéria perguntou a mais de nove mil crianças e jovens de todo o país se sentem ouvidos: 80% dizem que não. E também afirmam estar preocupados com a saúde mental, a discriminação e as redes sociais.

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Papaioannou Kostas/Unsplash

Foram mais de nove mil crianças e jovens de todo o país a responder ao inquérito Eu Tenho Voto na Matéria, criado por 18 jovens entre os dez e os 17 anos, para auscultar o que os preocupa nas suas cidades. O desafio, lançado pela Unicef em Setembro último, percorreu todos os distritos e os resultados são conhecidos esta sexta-feira.

Questionados sobre diversos temas, desde a saúde mental às redes sociais, os resultados mais expressivos dizem que os jovens não sentem que as suas opiniões sejam válidas: 80% dos inquiridos consideram que “nunca, ou raramente, a sua opinião foi tida em conta, se ou quando a deram”; 75,3% referem que “nunca ou raramente dá a sua opinião quando os adultos tomam decisões sobre a comunidade onde vivem”. Ainda assim, 38% dos inquiridos consideram que “às vezes, os adultos tomam decisões nos seus territórios a pensar nas crianças”.

É precisamente para fazer as suas vozes ecoarem que este projecto foi criado. Aquando do lançamento do inquérito, Beatriz Imperatori, directora-executiva da Unicef, referiu ao P3 que a ideia da iniciativa integrava, precisamente, “um trabalho que a Unicef tem vindo a fazer e que pretende reforçar a importância da participação das crianças em todos os assuntos que lhes dizem respeito”. Nomeadamente nas cidades.

Soraia Carvalho teve acesso ao inquérito através da associação O Meu Lugar no Mundo. Para a jovem de 15 anos, residente na Maia, é importante ouvir a opinião dos jovens pois, tanto em casa como na escola, “não têm direito a dar opinião porque são menores”.

Preocupa-a “a falta de paragens de autocarros nas aldeias” e a debilidade dos transportes públicos nas cidades: “Muitas vezes atrasam-se ou não passam. Como moro longe do centro chego muitas vezes atrasada por causa disto. Já tentei fazer queixa ao serviço de transportes, mas não mudou nada”, lamenta.

Problemas nem sempre experienciados “pelos adultos”, demasiado “ocupados no seu trabalho”, acredita. Algo que Rodrigo Lúcio, um dos jovens envolvidos na criação do inquérito, já tinha apontado: “Os jovens têm uma vida mais activa na cidade.”

Mas como é que podem ser ouvidos? Eles explicam: através de “encontros regulares, visitas às escolas ou com representação nas assembleias municipais”, através de “parcerias com as associações de estudantes ou com as direcções das escolas”, ou ainda de “cartas e recolha de assinaturas para petições, debates, caixas de sugestões, inquéritos ou iniciativas”, como esta da Unicef.

O inquérito, que esteve disponível no site da Unicef e chegou 903 crianças e jovens de escolas e organizações locais através de parcerias, reporta ainda que 20,8% dos inquiridos acreditam que um dos maiores desafios da sua geração é a saúde mental; 16% defendem que é a discriminação; e 11,6% apontam a internet e as redes sociais como o principal problema.

Nas sessões de discussão, que juntaram crianças e jovens de diferentes backgrounds, foram ainda partilhadas preocupações relacionadas com “as condições habitacionais, o saneamento básico, o acesso à saúde, em particular pela população idosa, assim como a carência de apoios sociais e económicos para as famílias em situação de maior vulnerabilidade”, lê-se no relatório.

Os jovens identificaram ainda “a existência de espaços de lazer e desporto, a gestão e planeamento dos transportes, a mobilidade e acessibilidades” como outros desafios a ter em conta, e referiram querer “ter mais oportunidades para apoiar as suas comunidades através de acções de voluntariado”.

Os resultados desta auscultação deverão ser apresentados às autarquias — na esperança de se fazerem ouvir.

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