Marcelo apresentou em 2015 o seu guião para gestão de crises e eventual dissolução

Na altura, disse que o Presidente deve “tudo fazer no que está ao seu alcance para obter governos viáveis e duradouros”.

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Em 2015, duas semanas depois de ter anunciado a sua candidatura, Marcelo divulgou o seu guião para o exercício dos poderes presidenciais e a gestão de crises LUSA/PEDRO SARMENTO COSTA

Marcelo Rebelo de Sousa apresentou em 2015, antes de ser eleito Presidente da República, o seu guião para o exercício dos poderes presidenciais e a gestão de crises, enunciando as condições para uma eventual dissolução do Parlamento.

Esses princípios foram apresentados na Voz do Operário, em Lisboa, em 24 de Outubro de 2015, duas semanas depois de ter anunciado a sua candidatura presidencial, em que considerou que “o Presidente tem um poder de controlo moderado no dia-a-dia, mas um poder decisivo em situações mais críticas”.

Essa sessão ocorreu uma semana antes de o anterior chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, dar posse ao XX Governo, chefiado por Pedro Passos Coelho, um executivo minoritário de coligação PSD/CDS-PP, que tinha preanunciada a rejeição do seu programa no Parlamento pela maioria à esquerda, que em seguida apoiou a formação de um Governo minoritário do PS.

Especificamente “sobre o poder de dissolução da Assembleia da República”, Marcelo Rebelo de Sousa enquadrou-o como “um poder livre do Presidente da República”, mas que “não é um poder absoluto” e que “deve ser exercido no caso de os problemas verificados no Governo ou nas relações entre Governo e Parlamento revelarem ou suscitarem graves situações críticas que comprometam o interesse nacional, e que não sejam compatíveis com uma solução dentro do quadro parlamentar existente”.

O Presidente da República “deve, ao exercer esse poder, ponderar ainda a repercussão do seu exercício em instrumentos essenciais para a governação como o Orçamento do Estado, e, por outro lado, a probabilidade de a devolução ao povo da escolha pelo voto de caminhos e representantes poder ou não vir a abrir pistas de solução para as situações críticas invocadas”, prosseguiu.

“É uma ponderação complexa e duas coisas são, a meu ver, óbvias. Primeira: não há nomeação, exoneração ou dissolução anunciadas, isto é, a apreciação a fazer quanto ao exercício de qualquer um destes poderes deve ser feita no momento exacto em que se coloque ou não a necessidade nacional desse exercício, não meses antes, nem anos antes. A segunda: no que depender de mim, tudo farei para tentar não onerar o meu sucessor com problemas evitáveis relativamente ao exercício destes poderes do Estado”, concluiu.

Ao fazer esta exposição sobre o exercício do poder de dissolução do Parlamento, observou: “Como vêem, estou a tornar claro tudo o que entendo sobre os poderes presidenciais em relação ao futuro”.

“PR não pode substituir-se aos partidos”

Antes, Marcelo falou na nomeação dos primeiros-ministros e dos governos, defendendo que “o Presidente tem o poder de arranque, não pode nem substituir-se aos partidos que têm o poder de viabilizar ou não no Parlamento, nem deixar de exercer o seu poder constitucional, acompanhando o processo, procurando as aproximações que permitam governos viáveis e duradouros”.

Sobre este poder, que classificou como “um poder muito sensível do ponto de vista político”, recordou decisões dos seus antecessores: “Sabemos mesmo que, nalgumas circunstâncias, o primeiro Presidente da República eleito, o senhor general Ramalho Eanes recusou um Governo proposto por uma coligação maioritária [do PS com dissidentes do PSD], como o segundo Presidente, o senhor doutor Mário Soares, recusou um Governo com apoio parlamentar maioritário [PS/PRD com suporte parlamentar do PCP]. E como o terceiro Presidente, o senhor doutor Jorge Sampaio, ouviu longamente, e recordo-me bem por ter participado nessas audições, e ponderou longamente antes de aceitar uma mudança de chefia do governo numa coligação maioritária [PSD/CDS-PP]”.

No seu entender, na sequência de eleições, “atendendo à precedência do voto e da representação parlamentar” das diferentes forças políticas, o Presidente deve “tudo fazer no que está ao seu alcance para obter governos viáveis e duradouros”.

Além destes poderes inscritos na Constituição da República Portuguesa, Marcelo destacou um outro “poder muito importante e a que se liga pouco, que é o poder de magistério, isto é, de influência”. “Quanto maior, mais eficaz e mais duradouro for o poder de magistério e de influência do Presidente antes de eleições e antes de formação de Governo, mais eficaz é no momento subsequente às eleições e aquando da formação de Governo.

O antigo presidente do PSD referiu que esse “poder de magistério e de influência” consiste em tentar “criar as pontes, criar as empatias, que são de ideias, que são de estratégias, que são comportamentais” e conseguir eventualmente “possibilidades de diálogo” e “possibilidades de abrir caminho, abrir pistas para convergências”.

“Essa é uma responsabilidade enorme que eu assumo”, afirmou, prometendo “trabalhar desde o primeiro dia no sentido de aplanar os caminhos”, seguindo o exemplo do que “fez o Presidente Jorge Sampaio relativamente ao então primeiro-ministro António Guterres e ao então líder da oposição Marcelo Rebelo de Sousa”.

Neste discurso, o então candidato a Belém disse que “não é bom para um país saído de uma situação de crise ter de viver seis meses, sete meses, oito meses sem Orçamento do Estado -- o que, como sabem, implica um Governo em plenitude de funções”.

E atribuiu ao Presidente um papel variável, de “maior apagamento” ou “maior relevo”, consoante o quadro político: “Se houver uma maioria absoluta de um partido ou de uma coligação, muito coesos e com um líder forte no Governo, o Presidente tende a apagar-se. Se houver uma maioria absoluta com uma coligação instável, o Presidente ganha mais peso”.

“Se houver uma maioria relativa, o Presidente ganha ainda maior relevo. Se houver crise nos partidos, cisões e instabilidade no Parlamento, o Presidente pode chegar a ter um poder particularmente decisivo (…)”, acrescentou.

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