Wanted”: turistas americanos cobiçam-se

Para onde vão os 4 mil milhões de dinheiro público a investir na TAP com a falácia do turismo, dos emigrantes e do emprego? Estamos à procura dos turistas certos investindo na companhia errada.

Os americanos viajam muito e com frequência, principalmente dentro do próprio país. São proporcionalmente poucos os turistas americanos que viajam para o estrangeiro. Os que o fazem, vão sobretudo para o México e Canadá. Ainda que apenas 12% dos americanos faça férias noutras latitudes, essa percentagem traduz-se em 40 milhões de potenciais turistas com um perfil altamente cobiçado porque, de uma forma geral, gastam e consomem muito, estão predispostos a pagar por luxo e por todo o tipo de extras. Não é por isso de admirar que a UE se tenha antecipado para assinalar a sua prontidão em receber os americanos no Velho Continente este Verão.

Do lado americano, a autorização para os seus cidadãos viajarem para a Europa tardou mas chegou e vários países da UE respiraram de alívio – seja pela maior mobilidade assegurada para as suas diásporas nos EUA, seja pelo peso dos turistas americanos nas suas economias. Porém, este deverá ser um ano recorde para as viagens domésticas de lazer nos EUA com aeroportos no Hawai, Alasca e os que servem os parques nacionais como os de Yellowstone a registarem recordes absolutos de capacidade, rotas e companhias aéreas. A instabilidade das medidas sanitárias e os surtos de novas variantes não deverão ajudar a conquistar este mercado. 

No mês que marca o regresso das companhias aéreas americanas United e Delta ao aeroporto de Lisboa, procuremos entender o alcance desta novidade em termos de acessibilidade para o turismo português. Em ambos os casos, são usados aviões com capacidade para 220 passageiros cujo destino final é, em mais de 90%, Lisboa e Portugal. Nenhuma destas companhias usa Lisboa como plataforma de distribuição para outros destinos internacionais e apenas o fazem de forma muito residual. Isto é positivo para o turismo português, pois cada passageiro a bordo desses aviões tem como destino (ou origem) Portugal.

Tanto a United como a Delta têm apenas uma rota para Portugal com início na cidade de Nova Iorque onde cada uma destas companhias tem uma das suas plataformas de transferência de passageiros (hub) vocacionadas, sobretudo, para a Costa Leste e alguma parte do Mid-West. Tendo em conta que estas duas companhias têm outros hubs nos EUA com ligações à Europa, como Chicago, Denver, Houston, São Francisco, Washington, Atlanta, Boston, Detroit, Los Angeles, Minneapolis, Salt Lake City e Seattle e tendo em conta que Nova Iorque já conta igualmente com voos da TAP, o turismo português beneficiaria mais com a diversificação dos aeroportos americanos conetados diretamente.

Esta seria a estratégia vencedora para o nosso turismo porque cada hub americano tem a sua esfera de influência geográfica e só com essa diversificação se alcançam todos os potenciais turistas americanos espalhados pelo país. Em ambos os casos o ponto de chegada é Lisboa, o que afunila o fluxo de turismo para a capital e o que não reflete, por exemplo, o interesse e a importância do mercado norte-americano para o Turismo do Norte, em particular para o Douro.

A existência cada vez mais abundante de aviões de porte médio (180 lugares) com capacidade para voarem mais longe a um custo operacional inferior está já a ser amplamente aproveitada para criar novas rotas aéreas sem escalas entre hubs americanos e várias cidades europeias – nenhuma em Portugal, até agora. Descentralizar a chegada destes turistas para vários pontos e regiões do país deveria ser uma prioridade para nós até mesmo como alternativas viáveis em caso de eventuais medidas sanitárias sectoriais dissuasoras que venham a ser aplicadas no nosso território.

Dentro da estratégia recente de apostar nos EUA, a TAP voa hoje para Nova Iorque, Boston, Chicago, Miami, Washington e São Francisco. A TAP tem um alcance de distribuição e de inventário menor quando se trata de conetar passageiros dentro dos EUA, uma vez que esses voos de conexão não são realizados pela TAP, mas por outras companhias aéreas que têm a sua própria estratégia comercial. Acresce que a TAP não faz parte de nenhuma exploração concertada entre a Europa e o Atlântico Norte (as chamadas “Joint Venture”) e por isso a cooperação que consegue obter para chegar a outras cidades americanas é muito limitada e pouco competitiva em termos de preço.

Por essa razão, a única estratégia viável para a TAP é a de servir sobretudo a população da cidade americana concretamente voada e de “encher” esse avião com passageiros americanos dessa cidade para outros destinos da Europa/África via Lisboa e com passageiros europeus/africanos para esse destino específico nos EUA via Lisboa. Essa estratégia ocupa, de acordo com os objetivos comerciais da TAP para 2021, 70% do avião. Ou seja, em cada 200 passageiros, 140 não têm qualquer relação ou interesse por Portugal, apenas estão em trânsito e apenas porque esse voo com escala em Lisboa era o mais barato.

É que para se ter sucesso nessa estratégia num mercado como os EUA, a única solução é a de ter preços mais baixos do que a concorrência. Daqui se entende que o papel atribuído à TAP de trazer turistas americanos, de ligar as nossas comunidades e de fazer crescer o turismo em Portugal não corresponde à realidade. Um exemplo prático: simule a compra de um voo TAP de Nova Iorque apenas para Lisboa numa data à sua escolha e tome nota do preço; simule exatamente o mesmo cenário mas para um voo de Nova Iorque com destino final Barcelona, Londres, Roma, Porto, Funchal ou Ponta Delgada todos via Lisboa. Constatará que os voos para qualquer dos destinos nacionais chegam a custar o dobro, mesmo quando o destino final é Lisboa (ou seja: sem ocupar lugar noutro avião TAP para outro destino).

Sabendo que o preço e a acessibilidade são fundamentais na escolha de qualquer destino, qual o papel da “nossa companhia de bandeira” no incentivo à competitividade do destino Portugal nestas circunstâncias quer para os turistas americanos, quer para as nossas comunidades? Pergunta-se: para onde vão os 4 mil milhões de dinheiro público a investir na TAP com a falácia do turismo, dos emigrantes e do emprego? Servirão para vender passagens mais baratas para outros destinos europeus e africanos via hub de Lisboa sem qualquer benefício palpável e proporcionalmente relevante para a nossa economia?       

Ora bem: pegue-se nesse dinheiro público (ou melhor, numa ínfima parte desse dinheiro) para incentivar as rotas em si e não uma companhia em específico. Um exemplo concreto: a Grécia – comparável a Portugal em população, diáspora, economia, turismo e geografia – deixou de ter, há já vários anos, uma companhia aérea de bandeira e não existe nenhuma companhia grega a voar para destinos intercontinentais – o que não impede a existência desses voos operados por outras companhias.

No mesmo dia de 2021 em que eram lançados os dois modestos voos Nova Iorque-Lisboa pela Delta e pela United, Atenas viu crescer a sua oferta de lugares disponíveis para os Estados Unidos em 10% por relação... a 2019, ou seja, a Grécia tem hoje mais capacidade para os EUA do que na pré-pandemia! São 3 voos diários da Delta para 2 cidades (Nova Iorque e Atlanta), 3 voos diários da American para 3 cidades (N.Iorque, Filadélfia e Chicago), 2 voos diários da United para 2 cidades (N.Iorque e Washington) e um voo diário da Emirates (sim, da Emirates e sem escala) para Nova Iorque num total de 9 voos diários para 5 hubs americanos. Tudo isto é possível promover, patrocinar e incentivar com algum dinheiro, claro, mas sem que o Estado se tenha de transformar no banco e no gestor-proprietário de uma companhia aérea deficitária e de hub.

É caso para dizer: estamos à procura dos turistas certos investindo na companhia errada. Um ótimo momento para aprendermos a deixar para trás o que não nos leva para a frente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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