Não fomos feitos para dormir sozinhos

Precisamos de nos confiar a alguém, e a alguém que, de preferência, esteja à mão de semear e nos possa proteger num abrir e fechar de olhos.

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@DESIGNER.SANDRAF

Ana,

Uma carta curta só para te dar nota de uma coisa que aprendi com o cão que temos em guarda partilhada com o senhor Jaime — que lhe dá “emprego” a (fingir) que guardar ovelhas porque, na realidade, o Bolota não tem qualquer vocação para a coisa.

Quando cá estamos, encontra sempre maneira de aparecer, e tem a arte de nos fazer sentir pais de uma criança pequena que morre de alegria por estar connosco, com a vantagem de que se deita quieto à sombra quando nos cansamos de brincar com ele. Mas, mal fica muito escuro, desaparece como um relâmpago, de regresso à companhia do rebanho e dos outros cães. Ontem bem tentámos que passasse a noite no nosso jardim, para sarar uma ferida na pata, mas qual quê, quando demos por isso já tinha saltado um muro gigante e ido dormir a “casa”.

Neste Dia da Criança é uma lição para os avós que se lamentam por os netos ainda dormirem com os pais, para os pais que sentem uma enorme culpa por não conseguirem treinar os filhos a dormir sozinhos e, ainda, para os filhos que se envergonham do medo do escuro e de preferirem o aconchego da cama paterna ao seu próprio quarto, por muito que esteja “quitado” com luzes de presença e estrelas fluorescente no tecto:

Não fomos feitos para dormir sozinhos, essa é que essa, porque para nos entregarmos ao sono, deixando cair todas as defesas, precisamos de nos confiar a alguém, e a alguém que, de preferência, esteja à mão de semear e nos possa proteger num abrir e fechar de olhos. E os adultos sabem-no, e a prova está em que à primeira oportunidade arranjam com quem dormir. Ou então compram um cão. Ou mandam instalar um alarme.

Era só isto que tinha para te dizer.


Querida mãe,

Concordo em absoluto. Vou só acrescentar um detalhe fruto de um insight do pediatra Carlos Gonzalez: as mães vão procurar (e encontrar) culpa em qualquer tipo de conselho ou afirmação sobre a parentalidade. Por isso, para as mães que leram a sua carta e pensaram “Oh não, o meu filho não é normal porque dorme a noite toda no próprio quarto”, ou “Será que não me acorda à noite porque acha que eu não o protejo?” ou, ainda, “Chama sempre pelo pai — não confia em mim”, fica o meu pedido: Descansem! E aproveitem!


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

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